quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

 SER FREIRA NO PATRIARCADO: MENOS DO QUE UM CAMINHO RESIDUAL, UMA POSSIBILIDADE LIBERTÁRIA.


Diversamente do que narra o discurso e o pensamento corrente, a opção tida, muitas vezes como residual de adentrar os impermeáveis muros de um claustro, poderia ser, ao invés, a possibilidade de uma vida de maior porosidade com o mundo para as mulheres. Durante séculos e porque não dizer, milênios, a existência feminina circunscrevia-se ao espaço da intimidade, da prisão doméstica. Apenas às mulheres consideradas "públicas" ou que não eram "de família", geralmente, órfãs, filhas bastardas de imigrantes e aventureiros é que poderiam caminhar livremente sobre o chão da vida. Às demais, "privilegiadas" e contempladas por estarem inseridas no jogo patrimonial do modelo patriarcal, cabia, restritivamente, estarem sob o látego paterno e deste transitarem para o látego do marido. E responderem bem às suas funções de reprodutoras e cuidadoras do lar, assujeitadas às ordens do "chefe" da família. Poucas tinham acesso à cultura e à educação. O mesmo não se dava com as freiras. Desagrilhoadas da lógica de poder masculina, viviam em irmandade com outras mulheres (e não que nessas irmandades não houvesse opressão no exercício do poder, mas, ao menos, era poder feminino). Nelas, eram facultadas à leitura, ao estudo, à vida intelectual e à prática das artes. A partir delas, a não ser naquelas que até hoje, pouco permitem as incursões para o mundo, tal como a Ordem Carmelita, poder-se-ia transitar, não apenas para as praças e os rincões de suas comunidades, mas para sítios distantes como atividade integrante de suas "missões". No Brasil Colônia, por exemplo, as freiras muito rezavam, assim como as demais mulheres. Mas, também, muito cantavam e mais ainda: dançavam! E dançavam danças que jamais seriam permitidas àquelas que tiveram a "sorte" de bem  casarem e procriarem. As freiras no Brasil Colônia dançavam o lundu! Dança tida por lasciva e luxuriosa coreografada pelos escravos... E assim, ser freira, poderia representar, mais do que apenas um caminho residual daquelas que estavam perdidas (desvirginadas) ou não haviam conseguido um casamento, ou das que estavam destinadas a oferecer um status de respeitabilidade às suas famílias. Ser freira poderia representar uma carta de alforria do regime de escravidão ao qual estavam submetidas as mulheres no patriarcado...



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Ilustração: Freiras dançando o lundu.

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