domingo, 27 de fevereiro de 2022

 ESCRAVOS EM TRAJES DE LUXO E NA MAIS ALTA POTÊNCIA FÍSICA.


Gilberto Freyre em sua obra-prima, Casa Grande & Senzala nos informa que não há como pensar o Brasil se não percebermos a sua formação equilibrada sobre antagonismos. Antagonismos que, sem dúvida, embaçam violências e perversões. No tocante à escravidão há dois aspectos senão curiosos, mas que bem representam esse paradoxo: os trajes luxuosos com os quais se vestiam alguns escravos e a boa forma física de grande parte deles. Como pode o bem vestir e os bons cuidados conviverem com um regime de trabalho desumano? O que ocorre é que aqui não se trata de um ser humano, mas de um bem de propriedade de seus senhores. E como toda coisa apropriada, muito revela sobre as condições de seu dono. O bem trajar de um escravo ou de uma escrava, muitas vezes, com mais luxo do que brancos e brancas trabalhadores livres, vestimentas cujo valor, não raro, daria para comprar mais dois escravos, denotava a quantas andava o poder econômico e social de seus senhores. Algo como um automóvel. Se o seu dono é rico, ele será de alto luxo e terá um tratamento à altura. 


O mesmo e ainda mais se diga sobre a alimentação. Freyre não poucas vezes acentua a compleição física dos escravos como significativamente mais robusta do que os brancos das classes intermédias e inferiores o que teria assegurado melhor saúde e resistência para as suas descendências. No entanto, mais uma vez, longe de bondade, justeza e favor, o que se fazia era o mesmo que azeitar uma máquina no intuito de auferir lucros com uma maior e melhor produção. 


E nada disso, por mais de três séculos, foi atravessado por quaisquer laços de afeto? Era tão somente o poder de  humanos sobre "coisas"? Violência com açúcar? É em razão da complexidade e paradoxos que envolvem as perguntas  acerca dos problemas raciais no Brasil decorrentes não apenas do regime escravocrata, mas pelos moldes com os quais se deu a sua abolição, que as respostas para sanar as desigualdades, embora não sejam difíceis, encontram solo fértil para difíceis se tornarem.


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Todas as ilustrações são de Jean-Baptiste Debret, artista integrante da Missão Artística Francesa,  encarregado de pintar o cotidiano da sociedade brasileira em inícios do século XIX.







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