AS MULHERES NA CÚPULA DO PODER JUDICIÁRIO
Andrea Almeida Campos
Professora de Direito Civil, Advogada.
I. Sobre Cúpulas e Deusas.
Subir às cúpulas é tocar a pele
do céu. As cúpulas são o cume, o ápice, o ponto mais alto a que se pode atingir
a escala humana. Mas, não poucas vezes, as cúpulas ocupam o lócus do intangível
e o intangível existe tão somente para mover em sua direção, um desejo. Um
desejo humano. O desejo masculino, o desejo feminino. O desejo masculino que é
concebido em nossa cultura como sendo a seta para todo o progresso e
desenvolvimento da humanidade. O desejo feminino que, por sua vez, é concebido
em nossa cultura como a maldição, a caixa de Pandora que, se aberta, trará a
desgraça para todas as gerações que se tenha a ter notícia de existência sobre
o mundo e sob o sol. Logo, a mulher não foi, através dos milênios, reconhecida
como ser desejante, mas sim, como ser desejado. Reconhecida não como sujeito,
protagonista de sua vida e de sua própria história, mas como objeto a
viabilizar a vida e a história dos homens. E nessa história masculina, tecida
sob o desejo masculino, foram os homens que ocuparam os principais postos de
atuação e de exercício de poder. Às mulheres coube serem as suas coadjuvantes,
as suas colaboradoras, mesmo que tantas vezes, os seus alicerces e os seus
esteios. O seu esteio na arte de governar, o seu esteio na arte de legislar, o
seu esteio na arte de julgar. Mas nunca a governante, a legisladora, a juíza,
mas sempre, a governada, a legislada e a julgada. Mesmo durante o milagre
grego, quando as luzes do saber teriam brotado das trevas das mentes obnubladas
da mitologia grega arcaica, as mulheres, eram tidas como seres germinados das
trevas segundo Pitágoras. Não muito atrás dessa concepção obscurantista ficava
o sábio de Estagira, o filósofo Aristóteles, para o qual as mulheres
restringiam-se a um ventre que serviria para receber o sêmen masculino, esse
sim, transportador de toda a possibilidade de grandeza da natureza humana. Mas
o racionalismo grego é filho da instauração do patriarcado mitológico, filho da
instauração do mandato de Zeus no trono de deus da humanidade. Isso porque
antes assim não o era. Na mitologia grega arcaica, na mitologia primeva,
naquela na qual os homens desconheceriam as suas participações na reprodução da
espécie, os deuses supremos eram femininos, já que era feminina a centelha
criadora do céu e da terra. Era o elemento feminino, o elemento inaugural da
vida. E esse elemento inaugural fora tecido pela deusa Gaia (Bulfinch, 2006),
arquiteta primaz do pó do mundo e que encheu de sangue as suas veias. Gaia, a
mãe Terra que deu à luz, o deus Zeus e a deusa Têmis. Têmis que era a
interlocutora de Gaia sobre o mundo, a voz da Terra clamando por sua
preservação. Clamando por ser cuidada, acariciada em sua pele de fogo e em seu
ventre de água. Amada em seus pelos
florestais. Têmis, filha de Gaia, responsável pela preservação do mundo,
era, também a deusa da Justiça. Sim, a deusa da justiça, desde os primórdios, é
uma deusa feminina que traz em si, os atributos da feminilidade:
horizontalidade nos entendimentos, solidariedade e cooperação, imparcialidade
e, apesar da neutralidade, nunca a frieza, mas o afeto. Têmis que na mitologia
romana recebeu o nome de Justitia. Ou seja, o próprio termo “Justiça”, designa
em si, o nome de uma deusa mulher.
Têmis foi uma das primeiras
esposas de seu irmão Zeus, antes que este desposasse a sua outra irmã, Hera.
Quando sua esposa, e mesmo depois de tê-lo sido, atuava como a sua conselheira
e orientadora. Têmis e Zeus tiveram filhas que receberam o nome de “Moiras”. As Moiras eram as tecedoras dos
fios dos destinos de cada um dos seres humanos sobre a Terra. Eram elas as
fiandeiras da fortuna e da tragédia humana. Eram elas que davam início ao fio
da vida e, por fim, os ceifava. Também filhas da deusa da justiça, Têmis com
Zeus, eram as deusas ‘Horas”. As Horas eram as protetoras da ordem natural.
Eram em número de três: Dike era a guardiã da Justiça, Irene, a guardiã da Paz
e Eumônia, a guardiã da sabedoria e da legislação. Vê-se, então, como a
Justiça, mitologicamente, e o que não são os mitos que não a raiz de uma
verdade fantasmaticamente dita, tem em si engendradas tanto a arte de dar a
cada um o que é seu de direito, quanto a arte de preservação da vida, da
natureza, do meio ambiente de modo a partilhá-lo com todos os seres que brotam
do ventre de sua mãe Terra. Têmis fala de algo mais profundo em nós: da
conjunção de nossos paradoxos, de nossa força aguerrida e de nosso equilíbrio
morigerado. Acena para um horizonte que
se descortina a todos, sem distinção perante os seus olhos vendados, mas com
distinção entre o que é justo e o que é injusto.
II. Sobre Mulheres no Poder.
Inobstante ser a deusa da Justiça
um ser feminino, a deusa Têmis. E inobstante ter a mesma continuado a sê-lo
durante toda a nossa História ocidental, coube a Têmis julgar, tão somente as
querelas e controvérsias submetidas aos deuses no Olimpo. Entre nós, humanos,
às mulheres coube tão somente o lugar de serem julgadas. E, não poucas vezes,
mal julgadas. Seja pela própria cultura antiga greco-romana, atravessando os
séculos até desembocar no iluminismo do séc. XVIII, também espoliador da
capacidade feminina de discernimento. Mesmo com as proverbiais bruxas queimadas
pela Santa Inquisição na Idade Média, o cristianismo, mesmo não tendo alçado a
mulher à condição de juízas, propôs-se a não mal julgá-las já que “aquele que
não tiver pecado que atire a primeira pedra”. O teólogo Tomás de Aquino
afirmou, inclusive, que a mulher por ser uma costela de Adão, integraria a alma
masculina e, uma vez morta a carne humana, todas as almas seriam assexuadas.
Maria, mãe de Deus, não era juíza, mas advogada. No entanto, sabemos que cabe
ao advogado, antes de patrocinar a causa de seu cliente, julgar se a mesma é justa
e merecedora de sua defesa.
De forma paradoxal, os modelos
absolutistas monárquicos instaurados a partir do séc. XV na Europa Ocidental,
pelo poder hereditário, logo, conservador, possibilitou que as mulheres
exercessem a função de soberanas e, como soberanas, fossem administradoras,
legisladoras e julgadoras. Dentre as mais expressivas, citaríamos Maria Teresa
da Áustria, Catarina II da Rússia, Vitória I do Reino Unido e Elisabeth II do
Reino Unido, cujo reinado que completou 62 anos, mesmo não como Chefe de
Governo, mas como Chefe de Estado, chega até nós nos dias atuais. No Brasil,
caso não houvesse sido proclamada a República em 1889, teríamos tido uma
soberana mulher, a Princesa Isabel, herdeira natural da coroa de seu pai, o
Imperador Dom Pedro II (Schwarcz et al, 2015). Há quem afirme, inclusive, que
um dos fatores que aceleraram a proclamação da República, foi a possibilidade
de termos uma Imperadora mulher. Esta que, por duas vezes, na ausência de seu
pai, havia exercido a regência, ou seja, o governo enquanto aquele estava
ausente. Foi em uma das ausências do Imperador, como Regente, que a Princesa
Isabel promulgou a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888.
Continuando o paradoxo, enquanto
à época da conquista do território brasileiro pelos portugueses em 1500, quando
foram instituídas as Capitanias Hereditárias, em Capitanias como a de
Pernambuco, houve mulheres “Capitoas”, exercendo as funções de administradoras,
legisladoras e juízas, tal tendo sido o caso de Dona Brites de Albuquerque,
esposa do donatário Duarte Coelho e que por mais tempo que este último,
governou sozinha a capitania pernambucana, após a Proclamação da República no
Brasil, uma mulher apenas ocupou o posto máximo da administração pública
nacional no ano de 2010, mais de cem anos depois da instauração da República no
país. Quanto aos postos de juízas, até a década de 1970, ou seja, em quase cem
anos de República, estas, se existiam, eram uma exceção à regra.
III. Sobre Mulheres Juízas no
Brasil e em Pernambuco.
Ensina-nos Maria Tereza Sadek
(2010) que nos primórdios do Brasil colonial, quando então o território
brasileiro foi dividido em Capitanias Hereditárias, para cada Capitania havia
um Ouvidor da Comarca que dava solução às controvérsias jurídicas nas vilas.
Operava já o segundo grau de jurisdição, pois, na hipótese de insatisfação com
a decisão do Ouvidor da Comarca, poder-se-ia recorrer ao Ouvidor-Geral na
Bahia. Despiciendo salientar que dentre os Ouvidores não havia e nunca houve
mulheres. A muitas mulheres era vedada, inclusive, a possibilidade de ter
acesso a qualquer nível de instrução, até mesmo à instrução básica de saber ler
e escrever.
Em 1808, com a vinda da Corte Real
ao Brasil, desembarcaram em terras tupiniquins, também, os denominados
“juízes”. Estes eram denominados de “Ouvidores do Cível” e de “Ouvidores do
Crime” conforme as suas matérias de competência. Formou-se, então, a chamada
Casa da Justiça da Corte. Mais uma vez, despiciendo salientar que dentre esses
juízes, também não havia mulheres. Na segunda instância passou a haver os
chamados desembargadores, magistrados assim denominados porque despachavam
(desembargavam) diretamente junto ao rei quanto às petições cuja matéria dizia
respeito às questões de graça e de justiça. Uma vez que passaram a ter
autonomia para decidirem em seus próprios nomes acerca de tais matérias,
passaram a formar o Desembargo do Paço. Não apenas naquela época como até hoje,
são pouquíssimas as mulheres que chegam a desempenhar as funções da
desembargadoria nas instâncias superiores. Sendo uma instituição cujo
nascedouro e desenvolvimento se deu em moldes exclusivamente masculinos.
Tivemos, desde o seu início em terras brasileiras, um sistema judiciário
fortemente burocrático, arcaico e lento, pois, de acordo com Wolkmer (2006)
durante o período colonial, os
bacharéis brasileiros eram preparados e treinados para servir aos interesses da
administração colonial. A arrogância profissional, o isolamento elitista e a
própria acumulação do trabalho desses magistrados (...) motivaram as forças
liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo, para
alguns, no âmbito do sistema de justiça.
A presença de mulheres na magistratura
brasileira desde as suas origens poderia ter alterado esse estado de coisas?
Difícil dizer. Os homens em suas individualidades, também estão atrelados e
condicionados a um modelo e a uma cultura. O que podemos afirmar é que a
presença de mulheres faria desse modelo, no mínimo, um modelo distinto e
integrador de diferenças.
Já no Brasil Imperial, segundo
Maria Tereza Sadek (2010), mesmo que a Constituição de 1824 já concebesse o Poder Judiciário como um
poder independente, esta independêcia não era absoluta. Já no período
republicano, ainda segundo a mesma autora, significativas alterações iriam ter
lugar, modificando toda a organização e toda a estrutura desse poder. Uma das
principais implementações do período foi a criação da Justiça Federal que não
havia durante o período imperial. E claro que, dentro da cultura do patriarcado
ocidental, as mulheres não ocupavam quaisquer postos dentro dessa estrutura,
quer seja no período imperial, quer seja no período republicano.
Os cursos jurídicos foram criados
no Brasil através do Decreto no. 1 de 11 de agosto de 1827, que instituiu, ao
mesmo tempo, os cursos de bacharelado em Direito em Olinda e em São Paulo. Por
óbvio, não ingressavam nesses cursos,
mulheres. A primeira bacharela em direito no Brasil foi a fluminense da cidade
de Macaé, Myrthes Gomes de Campos (Schumaher et al, 2001). Myrthes se formou em
1898 pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Em
razão de ter sofrido violenta discriminação, a bacharela apenas conseguiu
adentrar no antigo Instituto dos Advogados do Brasil em 1906. Myrthes tinha
todas as condições de ter sido a primeira mulher juíza no Brasil, mas, em razão
dos evidentes empecilhos, exerceu com brilhantismo o cargo de encarregada pela
Jurisprudência do Tribunal de Apelação do Distrito Federal (Rio de Janeiro), do
ano de 1924 até o ano de sua aposentadoria, em 1944.
A primeira mulher a se tornar
juíza no Brasil foi a catarinense Thereza Grisólia Tang. Thereza ingressou na
magistratura catarinense em 1954 e foi a única juíza no estado até que em 1973,
quase vinte anos depois, uma segunda juíza viesse a ser nomeada. Os estados do
sul do país sempre foram pioneiros em relação às conquistas femininas, isso é
incontroverso. Talvez por uma influência maior de uma cultura nórdica européia,
enquanto que as mulheres do Norte-Nordeste até o litoral do Rio de Janeiro
ficaram reféns da forte cultura luso-machista. Thereza Tang não apenas atingiu
a cúpula do Poder Judiciário, tornando-se desembargadora do Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, como, por ser vice-Presidente daquela Casa, tendo o então
Presidente, Nelson Konrad se aposentado em razão da idade, ocupou a sua
presidência a partir de 13 de dezembro de 1989 até o dia 05 de março de 1990,
concluindo, assim, o mandato do ex-Presidente.
Aqueles que estão familiarizados
com o Direito Civil, mormente com o Direito de Família, facilmente
lembrar-se-ão do nome da Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, Dra. Maria Berenice Dias, que em 1973 foi a primeira mulher a se tornar
juíza naquele estado, assim como foi a primeira mulher a chegar a ser, ali,
desembargadora.
E o caso do estado de Pernambuco?
Estado Nordestino de onde ora se escrevem essas humildes notas sobre a mulher
no Poder Judiciário? Em Pernambuco até a década de 70, era absolutamente vedada
às mulheres as inscrições nos concursos de acesso à carreira da magistratura.
Afirmava-se que as mulheres, em razão de suas alternâncias de temperamento,
muito em função de seus ciclos hormonais, não teriam condições de atribuir
justeza e equidade às suas decisões. Deixar às mulheres as decisões envolvendo
a vida e os interesses de terceiros, inclusive de pessoas jurídicas de direito
público, seria uma das mais altas temeridades. As inscrições femininas aos
postos da magistratura pernambucana apenas passaram a ser deferidas na década
de 1980. Atualmente, as mulheres representam 35% dos juízes no Estado o que
atesta as suas competências não apenas para passarem nos concursos da
magistratura como para exercerem os misteres da judicatura. No entanto, se na
Justiça Pernambucana não é difícil para as mulheres adentrá-la e nela se
manterem, é difícil, muito difícil, nela ascenderem, mormente no que tange a
ascenderem aos cargos de desembargadora. O Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco existe há 200 anos e desde que as mulheres passaram a ingressar nos
cargos de juíza, ou seja, há mais de 30 anos, apenas quatro mulheres chegaram
ao cargo de desembargadora. A primeira desembargadora do Tribunal de Justiça de
Pernambuco foi a procuradora de justiça Helena Caúla, portanto, não advinda da
carreira da magistratura e sim do Ministério Público, e isso já em 2001. Em
2002, finalmente, uma juíza de carreira foi nomeada desembargadora, a juíza
Magui Lins Azevedo. Após dois anos consecutivos da mulher alcançando o seu
lugar ao sol na cúpula do poder judiciário pernambucano, tivemos dez anos de
jejum e apenas em 2012 nomear-se-ia uma terceira mulher desembargadora no
estado, a também procuradora de justiça, portanto, proveniente da carreira do
Ministério Público, Alderita Ramos de Oliveira. Atualmente, há apenas uma
mulher desembargadora no Tribunal de Justiça de Pernambuco, entre 51 homens, a
desembargadora Dayse Maria de Andrade. Dayse Andrade foi nomeada em 2014 e
também é egressa do Ministério Público. Ou seja, em toda a sua história, o
Tribunal de Justiça de Pernambuco apenas teve uma desembargadora que era juíza
de carreira e em pleno séc XXI, no correr do ano de 2016, ostenta o troféu do
Tribunal com o menor percentual de desembargadoras em todo Brasil: míseros 1%.
IV. Da Presença das Mulheres nas
Cúpulas do Poder Judiciário.
Os dados auferidos pelo Censo
Nacional do Poder Judiciário, feito pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ em
2013, informa-nos que a magistratura brasileira é formada por homens brancos,
com idade média de 45 anos, casados com mulheres e com filhos. Quanto às
mulheres, estas compõem 36% do total dos magistrados, sendo que na magistratura
trabalhista esse índice alcança 47% do total. A justificativa para o incremento
do número de mulheres na Justiça do Trabalho se deveria ao fato de ser essa
Justiça eminentemente social, onde as características femininas de
solidariedade e equidade social exsurgiriam e seriam bem-vindas. No geral, as
mulheres representam 43% dos juízes substitutos (de início de carreira), 37%
dos juízes titulares, 22% dos desembargadores e 18% dos ministros de tribunais
superiores.
A vida pessoal das mulheres que
se dedicam à carreira da magistratura, mostra-se muito mais atingida do que a
vida pessoal dos homens, ao menos é o que afirmam 76% das magistradas
consultadas. Inclusive, arriscaria dizer que o casamento para os homens só o
beneficia em sua vida profissional, não são poucos os juízes, principalmente
dentre os juízes federais e ministros das instâncias superiores, cujas esposas
não trabalham, mas vivem para proporcionar-lhes o esteio necessário para
prosseguirem em suas ambições na carreira, seja cuidando da casa e dos seus
filhos, seja cuidando da própria carreira do marido. Já, dentre as mulheres,
não são poucas as que t~em poucos filhos ou nenhum, mais ainda, se veem impedidas
de casar, caso queiram atingir postos mais altos nos tribunais superiores como
foi o caso da ministra Elisabeth, recém-empossada como Presidente do Tribunal
Superior Militar.
A discriminação das mulheres no
exercício da judicatura é clara. Basta frequentar alguns Fóruns de Justiça.
Afora a Justiça do Trabalho que como já o dissemos, abriga melhor o ser do sexo
feminino por entenderem que o feminino tem uma tendência maior a lidar com as
questões sociais, na Justiça Comum, cabe, no mais das vezes, às mulheres, serem
juízas das Varas de Família e da Infância e da Juventude. Questões tributárias
e criminais como lavagem de dinheiro e corrupção não integrariam as matérias de
maior “domínio” feminino.
Inobstante esses entraves, a
ocupação feminina dos cargos no Poder Judiciário tem recrudescido e as juízas
avaliam que há muito a crescer, principalmente no que concerne aos cargos nos
órgãos de cúpula do Poder Judiciário. A ministra Laurita Vaz, vice-Presidente
do Superior Tribunal de Justiça, observa que há uma grave desproporção na
distribuição de cargos no Poder Judiciário. Quando a disputa depende de
concursos de provas e títulos, as mulheres conquistam bons postos facilmente,
mas quando a disputa é nas instâncias superiores e passa por condições
políticas e de reconhecimento de seus próprios pares, o malogro em relação às
juízas se instala.(nota). Atualmente, o tribunal com maior número absoluto de
julgadoras é o Superior Tribunal de Justiça - STJ, com 7 magistradas num total
de 33. No Supremo Tribunal Federal - STF, há duas mulheres entre os onze
magistrados, as ministras Cármen Lúcia Rocha e Rosa Weber. Esta última também
compõe, o quadro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como substituta, onde a
ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura é titular. A primeira mulher a ser
ministra do STF fo a ministra Ellen Gracie, nomeada em 2006 e que foi empossada
como a primeira mulher a ser presidente do STF no Brasil. Neste ano de 2016,
novamente, teremos uma mulher presidente do STF, a eminente ministra Cármen Lúcia
Rocha.
Mas a participação das juízas nas
instâncias superiores é recente. Iniciou-se em 1999, com a posse da primeira
Ministra no STJ, a ministra Eliana Calmon, já aposentada. Compõem, atualmente o
STJ, as ministras Laurita Vaz e Regina Helena Costa, Nancy Andrighi (atual
corregedora nacional de Justiça), Maria Thereza de Assis Moura, Isabel
Gallotti, Assusete Magalhães e Marga Tessler (convocada do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região). Para finais de 2016, esperava-se que Nancy Andrighi
fosse a nova Presidente do STJ. A ministra declinou do posto. O motivo? Os
projetos de moralização que estavam sendo propostos pela ministra, incluindo
aí, acabar com o nepotismo e evitar que os ministros julgassem os feitos nos
quais seus filhos e parentes atuassem como advogados, sofreram grande
resistência por parte de seus pares. Enfim, não ascendeu em razão de seus
projetos éticos.
Como ora já foi aqui afirmado, a
Justiça do Trabalho revelou-se mais propícia a albergar em seus postos, juízas
mulheres, e não apenas em inícios de carreira, mas a possibilitar-lhes a
ascensão. O Tribunal Superior do Trabalho - TST foi o primeiro tribunal
superior a ter uma mulher como ministra, a juíza Cnéa Cimini Moreira de
Oliveira, que foi nomeada em 1990. Dos atuais 27 ministros do TST, 6 são
mulheres.
E como para a competência
feminina não há limites, o atual presidente do Superior Tribunal Militar - STM
é uma mulher, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, empossada no
STM como ministra em 2007. Atualmente, todas as cortes superiores de justiça no
Brasil têm a presença de mulheres em seus colegiados. O Conselho Nacional de
Justiça - CNJ, em levantamento de 2014, revelou que um quinto dos tribunais
nacionais são presididos por mulheres. Esse último dado, por sua vez, só nos
mostra o atraso e o conservadorismo do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco no qual, a presença feminina é a mais pífia do país, repetindo aqui
o percentual vergonhoso: 1%.
V. A Qualidade das Decisões
Femininas nas Cúpulas do Poder Judiciário.
Afirmar que as decisões das
juízas tendem a valorizar os aspectos humano e sensível de uma lide, pode ser
redundante. Assim como afirmar que as juízas tendem a apresentar uma maior
disposição de cautelosamente levar em consideração os interesses das chamadas
minorias, sejam essas compostas por mulheres, negros, homossexuais ou
deficientes físicos. Quanto às questões ambientais essas também tendem a dar
primazia à sustentabilidade em detrimento da prevalência dos interesses
econômicos e comerciais. Senão vejamos algumas decisões das ministras.
Iniciemos com um trecho do Voto da Ministra Cármen Lúcia Rocha no Acórdão em
sede da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54 de 2012:
(...)A primeira observação que
faço é que o útero é o primeiro berço de todo ser humano. Se alguém entrar numa
maternidade há de ver o mesmo que veria ao se introduzir numa mansarda, a mais
pobre, que se tenta construir o berço como se fosse modelar de novo aquele
primeiro ambiente de todo ser humano. Quando o berço se transforma num pequeno
esquife, a vida se entorta, porque a mulher que teria que estar carregando
aquele pequeno berço, para preservar aquela vida com todo cuidado, se vê às
voltas com algo com o qual ele tem que lidar de uma forma muito solitária, às
vezes, e sempre com o que era o imponderável da vida: a possibilidade de morte
antes mesmo da vida. (...) Qualquer
pessoa (não precisa nem de ter lido literatura jurídica), quem tiver tido a
oportunidade de ler "Manuelzão e Miguilim", de Guimarães Rosa, haverá
de saber que talvez o grande exemplo de dignidade humana que Deus tenha deixado
tenha sido exatamente o da mãe - e olha que eu tenho um super pai! A dignidade
da mãe vai além dela mesma, além do seu corpo. Quando Guimarães Rosa põe a
mulher carregando nos braços um filho morto, que tinha no seu pezinho,
machucado uns dias antes, um pedaço de pano amarrado, ela busca o banho no
pequeno corpo do filho morto e quase que esbarra na bacia; ela, então, toma
cuidado para que, mesmo morto, não tenha nenhum esbarrão porque seria
sofrimento imposto àquele pequeno corpo. Quem tanto tiver lido haverá de saber
que, quando se faz escolha pela interrupção do que poderia ser a vida de um
momento ou a vida por mais um mês, não é escolha fácil, é escolha trágica
sempre; é a escolha que se faz para continuar e para não parar; é a escolha do
possível numa situação extremamente difícil. Por isso, acho que é preciso que
se saiba que todas as opções como essa, mesmo essa interrupção, é de dor. A
escolha é qual a menor dor; não é de não doer, porque a dor do viver já
aconteceu, a dor do morrer também. (...) (Rocha, 2012)
A ministra Cármen Lúcia Rocha
narra em seu Voto a dor de uma mulher ao velar um filho que jaz morto em seu
útero, sem qualquer possibilidade de vida. A resignação diante do trágico e a
supremacia da força de uma vida, a vida materna que deve seguir adiante é uma
marca do feminino trazido por esse Voto. No que tange às Uniões Homoafetivas,
leiamos um trecho do Voto da ministra Ellen Gracie no qual a mesma julgou procedente
a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4477 e a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental – ADPF 132, cujos objetos são o reconhecimento das uniões
estáveis homoafetivas. Ellen Gracie enfatizou que a família requer a
durabilidade do vínculo, a não-clandestinidade e continuidade, além da ausência
de impedimento. Citando o premiê espanhol Luis Zapatero, sustentou que o STF
não estava legislando para pessoas distantes e desconhecidas, mas sim,
alargando as oportunidades de felicidade para nossos vizinhos, nossos colegas
de trabalho, nossos amigos e nossa família. Argumentou que uma sociedade
decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes. A ministra Ellen
Gracie, concluiu o seu Voto, afirmando que “o Supremo restitui aos homossexuais,
o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura a sua dignidade,
afirma a sua identidade e restaura a sua liberdade”.
Quanto à importantíssima Ação
Direta de Inconstitucionalidade - ADIN 4424
ajuizada pela Procuradoria-Geral da República – PGR, quanto aos artigos
12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a maioria dos
membros do STF acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido
da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade
de representação da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais
públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria
dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção
constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete
aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da
Penha. Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que
exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta
contra a própria dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria
privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. De
acordo com a ministra, é necessário fixar que aos crimes cometidos com violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não
se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Logo, entendeu a
ministra que o crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência
doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública
incondicionada. Mesmo tendo o relator sido um ministro homem, sabemos da
importância da presença do elemento feminino na discussão e na votação de
matérias que digam respeito ao respeito à dignidade da mulher, mormente os
crimes sexuais e aqueles que integram a violência doméstica. Não apenas a
ministra Rosa Weber, como também, a ministra Cármen Lúcia, acompanharam o voto
do relator como também, sobre o mesmo, arriscaríamos dizer, exerceu influência
com as suas quotidianas presenças.
Em se tratando de discriminações
raciais, apresentaríamos um voto, também da ministra Rosa Weber, pela
constitucionalidade das cotas raciais instituídas pela Universidade de Brasília
– UnB em sede de ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental –
ADPF 186, ajuizada pelo partido político DEM (Democratas) contra o sistema de
cotas da Universidade. Em seu voto a ministra argumentou que “A desigualdade
material que justifica a presença do Estado nas relações sociais só se legitima
quando identificada concretamente, impedindo que determinado grupo ou parcela
da sociedade tenha as mesmas chances de acesso a oportunidades sociais”. Sobre
as controvérsias em torno do tema, a ministra sustentou “Com todo o respeito,
do fundo minha alma, pelas compreensões em contrário, entendo que os princípios
constitucionais apontados como violados são justamente os postulados que levam
à total improcedência da ação”. Sobre quem são os pobres no Brasil, Rosa Weber
sentenciou “Se a quantidade de brancos e negros pobres fosse aproximada, seria
plausível dizer que o fator cor é desimportante”, e concluiu “Enquanto as
chances dos mais diversos grupos sociais brasileiros, evidenciadas pelas
estatísticas, não forem minimamente equilibradas, a mim não parece razoável
reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico”.
No que tange às questões
ambientais, os votos femininos nas cortes superiores de justiça, revelam-se,
também, progressistas, compromissados com o bem-estar dos seres sobre o planeta
e com o bem-estar do planeta. A Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental – ADPF 101, questionava a importação de pneus usados, tendo sido
movida pela Advocacia Geral da União. Foi decidida pela inconstitucionalidade
da prática que além de ir de encontro a preceitos legais, causa graves impactos
ao meio ambiente em razão da incineração e do depósito de pneus velhos.. A
relatoria coube à ministra Cármen Lúcia Rocha.
Em seu robusto voto de 140
páginas, a ministra, a ministra argumentou que a proibição da importação de
pneus usados é consoante com os princípios de preservação do meio ambiente e da saúde da população, além de que
o meio ambiente não pode ficar à mercê de um só fator, o econômico, In Verbis:
É inegável o comprovado risco da
segurança interna, compreendida não somente nas agressões ao meio ambiente que
podem advir, mas também à saúde pública, o que leva à conclusão da
inviabilidade de se permitir a importação desse tipo de resíduo. (...) Não se
resolve uma crise econômica com a criação de outra crise, esta gravosa à saúde
das pessoas e ao meio ambiente. A fatura econômica não pode ser resgatada com a
saúde humana nem com a deterioração ambiental para esta e para futuras
gerações. (Rocha, 2009)
Conclusões
Lidos esses brilhantes votos e
com tudo que foi ora exposto, podemos corroborar o entendimento de que uma
Justiça que honre esse nome “Justitia”, não pode ser integrada, tão somente,
por homens. De forma alguma negamos a importância de várias características que
integram o caráter masculino e que sempre foram de grande importância para o
progresso da humanidade, tais como ousadia, desbravamento e objetividade. E
para essas características, porque não somar aquelas que integram o caráter
feminino, quais sejam, cautela, preservação e subjetividade? Lembrando-nos que
todos os caracteres podem estar presentes indistintamente em homens e mulheres,
tendendo em cada ser humano prevalecer uns sobre os outros. Mas quando falamos
de geração e preservação da vida, seja da vida humana, da vida de todo e
qualquer ser vivo e da preservação do Planeta, não há como percorrermos esse
retorno à Gaia, à grande deusa criadora do Universo e à Justitia, à Têmis, a sua filha. Retorno à Têmis, portadora da voz de sua mãe
Gaia, voz essa que clama pela manutenção da existência de todos os seres sobre
o mundo, pela manutenção da existência do mundo, pelo tecer de nossos destinos
e pela realização da Justiça.
Assim, se é o sangue do elemento
feminino que corre nas veias da deusa Têmis, levando em si todos os seus
inumeráveis atributos a alimentarem organicamente a vida, inferimos que não são
as mulheres que merecem ocupar os postos nas cúpulas do Poder Judiciário no
Brasil, é a cúpula do Poder Judiciário no Brasil que merece ser ocupado por
mulheres.
Referências
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da Mitologia – Histórias de deuses e de heróis. São Paulo: Martin Claret, 2006.
Sadek, Maria Tereza. Poder
Judiciário: uma nova instituição. Cadernos ADENAUER, São Paulo, v, XI, p.37-45,
2010.
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Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro:
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Relatórios do Conselho Nacional
de Justiça- CNJ - 2013:
http://www.cnj.jus.br/images/dpj/CensoJudiciario.final.pdf