segunda-feira, 12 de setembro de 2016





                              AS MULHERES NA CÚPULA DO PODER JUDICIÁRIO

                                                                                Andrea Almeida Campos
                                                                                Professora de Direito Civil, Advogada.










I. Sobre Cúpulas e Deusas.

Subir às cúpulas é tocar a pele do céu. As cúpulas são o cume, o ápice, o ponto mais alto a que se pode atingir a escala humana. Mas, não poucas vezes, as cúpulas ocupam o lócus do intangível e o intangível existe tão somente para mover em sua direção, um desejo. Um desejo humano. O desejo masculino, o desejo feminino. O desejo masculino que é concebido em nossa cultura como sendo a seta para todo o progresso e desenvolvimento da humanidade. O desejo feminino que, por sua vez, é concebido em nossa cultura como a maldição, a caixa de Pandora que, se aberta, trará a desgraça para todas as gerações que se tenha a ter notícia de existência sobre o mundo e sob o sol. Logo, a mulher não foi, através dos milênios, reconhecida como ser desejante, mas sim, como ser desejado. Reconhecida não como sujeito, protagonista de sua vida e de sua própria história, mas como objeto a viabilizar a vida e a história dos homens. E nessa história masculina, tecida sob o desejo masculino, foram os homens que ocuparam os principais postos de atuação e de exercício de poder. Às mulheres coube serem as suas coadjuvantes, as suas colaboradoras, mesmo que tantas vezes, os seus alicerces e os seus esteios. O seu esteio na arte de governar, o seu esteio na arte de legislar, o seu esteio na arte de julgar. Mas nunca a governante, a legisladora, a juíza, mas sempre, a governada, a legislada e a julgada. Mesmo durante o milagre grego, quando as luzes do saber teriam brotado das trevas das mentes obnubladas da mitologia grega arcaica, as mulheres, eram tidas como seres germinados das trevas segundo Pitágoras. Não muito atrás dessa concepção obscurantista ficava o sábio de Estagira, o filósofo Aristóteles, para o qual as mulheres restringiam-se a um ventre que serviria para receber o sêmen masculino, esse sim, transportador de toda a possibilidade de grandeza da natureza humana. Mas o racionalismo grego é filho da instauração do patriarcado mitológico, filho da instauração do mandato de Zeus no trono de deus da humanidade. Isso porque antes assim não o era. Na mitologia grega arcaica, na mitologia primeva, naquela na qual os homens desconheceriam as suas participações na reprodução da espécie, os deuses supremos eram femininos, já que era feminina a centelha criadora do céu e da terra. Era o elemento feminino, o elemento inaugural da vida. E esse elemento inaugural fora tecido pela deusa Gaia (Bulfinch, 2006), arquiteta primaz do pó do mundo e que encheu de sangue as suas veias. Gaia, a mãe Terra que deu à luz, o deus Zeus e a deusa Têmis. Têmis que era a interlocutora de Gaia sobre o mundo, a voz da Terra clamando por sua preservação. Clamando por ser cuidada, acariciada em sua pele de fogo e em seu ventre de água. Amada em seus pelos  florestais. Têmis, filha de Gaia, responsável pela preservação do mundo, era, também a deusa da Justiça. Sim, a deusa da justiça, desde os primórdios, é uma deusa feminina que traz em si, os atributos da feminilidade: horizontalidade nos entendimentos, solidariedade e cooperação, imparcialidade e, apesar da neutralidade, nunca a frieza, mas o afeto. Têmis que na mitologia romana recebeu o nome de Justitia. Ou seja, o próprio termo “Justiça”, designa em si, o nome de uma deusa mulher.

Têmis foi uma das primeiras esposas de seu irmão Zeus, antes que este desposasse a sua outra irmã, Hera. Quando sua esposa, e mesmo depois de tê-lo sido, atuava como a sua conselheira e orientadora. Têmis e Zeus tiveram filhas que receberam o nome  de “Moiras”. As Moiras eram as tecedoras dos fios dos destinos de cada um dos seres humanos sobre a Terra. Eram elas as fiandeiras da fortuna e da tragédia humana. Eram elas que davam início ao fio da vida e, por fim, os ceifava. Também filhas da deusa da justiça, Têmis com Zeus, eram as deusas ‘Horas”. As Horas eram as protetoras da ordem natural. Eram em número de três: Dike era a guardiã da Justiça, Irene, a guardiã da Paz e Eumônia, a guardiã da sabedoria e da legislação. Vê-se, então, como a Justiça, mitologicamente, e o que não são os mitos que não a raiz de uma verdade fantasmaticamente dita, tem em si engendradas tanto a arte de dar a cada um o que é seu de direito, quanto a arte de preservação da vida, da natureza, do meio ambiente de modo a partilhá-lo com todos os seres que brotam do ventre de sua mãe Terra. Têmis fala de algo mais profundo em nós: da conjunção de nossos paradoxos, de nossa força aguerrida e de nosso equilíbrio morigerado.  Acena para um horizonte que se descortina a todos, sem distinção perante os seus olhos vendados, mas com distinção entre o que é justo e o que é injusto.

II. Sobre Mulheres no Poder.

Inobstante ser a deusa da Justiça um ser feminino, a deusa Têmis. E inobstante ter a mesma continuado a sê-lo durante toda a nossa História ocidental, coube a Têmis julgar, tão somente as querelas e controvérsias submetidas aos deuses no Olimpo. Entre nós, humanos, às mulheres coube tão somente o lugar de serem julgadas. E, não poucas vezes, mal julgadas. Seja pela própria cultura antiga greco-romana, atravessando os séculos até desembocar no iluminismo do séc. XVIII, também espoliador da capacidade feminina de discernimento. Mesmo com as proverbiais bruxas queimadas pela Santa Inquisição na Idade Média, o cristianismo, mesmo não tendo alçado a mulher à condição de juízas, propôs-se a não mal julgá-las já que “aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra”. O teólogo Tomás de Aquino afirmou, inclusive, que a mulher por ser uma costela de Adão, integraria a alma masculina e, uma vez morta a carne humana, todas as almas seriam assexuadas. Maria, mãe de Deus, não era juíza, mas advogada. No entanto, sabemos que cabe ao advogado, antes de patrocinar a causa de seu cliente, julgar se a mesma é justa e merecedora de sua defesa.

De forma paradoxal, os modelos absolutistas monárquicos instaurados a partir do séc. XV na Europa Ocidental, pelo poder hereditário, logo, conservador, possibilitou que as mulheres exercessem a função de soberanas e, como soberanas, fossem administradoras, legisladoras e julgadoras. Dentre as mais expressivas, citaríamos Maria Teresa da Áustria, Catarina II da Rússia, Vitória I do Reino Unido e Elisabeth II do Reino Unido, cujo reinado que completou 62 anos, mesmo não como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, chega até nós nos dias atuais. No Brasil, caso não houvesse sido proclamada a República em 1889, teríamos tido uma soberana mulher, a Princesa Isabel, herdeira natural da coroa de seu pai, o Imperador Dom Pedro II (Schwarcz et al, 2015). Há quem afirme, inclusive, que um dos fatores que aceleraram a proclamação da República, foi a possibilidade de termos uma Imperadora mulher. Esta que, por duas vezes, na ausência de seu pai, havia exercido a regência, ou seja, o governo enquanto aquele estava ausente. Foi em uma das ausências do Imperador, como Regente, que a Princesa Isabel promulgou a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888.

Continuando o paradoxo, enquanto à época da conquista do território brasileiro pelos portugueses em 1500, quando foram instituídas as Capitanias Hereditárias, em Capitanias como a de Pernambuco, houve mulheres “Capitoas”, exercendo as funções de administradoras, legisladoras e juízas, tal tendo sido o caso de Dona Brites de Albuquerque, esposa do donatário Duarte Coelho e que por mais tempo que este último, governou sozinha a capitania pernambucana, após a Proclamação da República no Brasil, uma mulher apenas ocupou o posto máximo da administração pública nacional no ano de 2010, mais de cem anos depois da instauração da República no país. Quanto aos postos de juízas, até a década de 1970, ou seja, em quase cem anos de República, estas, se existiam, eram uma exceção à regra.

III. Sobre Mulheres Juízas no Brasil e em Pernambuco.

Ensina-nos Maria Tereza Sadek (2010) que nos primórdios do Brasil colonial, quando então o território brasileiro foi dividido em Capitanias Hereditárias, para cada Capitania havia um Ouvidor da Comarca que dava solução às controvérsias jurídicas nas vilas. Operava já o segundo grau de jurisdição, pois, na hipótese de insatisfação com a decisão do Ouvidor da Comarca, poder-se-ia recorrer ao Ouvidor-Geral na Bahia. Despiciendo salientar que dentre os Ouvidores não havia e nunca houve mulheres. A muitas mulheres era vedada, inclusive, a possibilidade de ter acesso a qualquer nível de instrução, até mesmo à instrução básica de saber ler e escrever.
Em 1808, com a vinda da Corte Real ao Brasil, desembarcaram em terras tupiniquins, também, os denominados “juízes”. Estes eram denominados de “Ouvidores do Cível” e de “Ouvidores do Crime” conforme as suas matérias de competência. Formou-se, então, a chamada Casa da Justiça da Corte. Mais uma vez, despiciendo salientar que dentre esses juízes, também não havia mulheres. Na segunda instância passou a haver os chamados desembargadores, magistrados assim denominados porque despachavam (desembargavam) diretamente junto ao rei quanto às petições cuja matéria dizia respeito às questões de graça e de justiça. Uma vez que passaram a ter autonomia para decidirem em seus próprios nomes acerca de tais matérias, passaram a formar o Desembargo do Paço. Não apenas naquela época como até hoje, são pouquíssimas as mulheres que chegam a desempenhar as funções da desembargadoria nas instâncias superiores. Sendo uma instituição cujo nascedouro e desenvolvimento se deu em moldes exclusivamente masculinos. Tivemos, desde o seu início em terras brasileiras, um sistema judiciário fortemente burocrático, arcaico e lento, pois, de acordo com Wolkmer (2006)
durante o período colonial, os bacharéis brasileiros eram preparados e treinados para servir aos interesses da administração colonial. A arrogância profissional, o isolamento elitista e a própria acumulação do trabalho desses magistrados (...) motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo, para alguns, no âmbito do sistema de justiça.
A presença de mulheres na magistratura brasileira desde as suas origens poderia ter alterado esse estado de coisas? Difícil dizer. Os homens em suas individualidades, também estão atrelados e condicionados a um modelo e a uma cultura. O que podemos afirmar é que a presença de mulheres faria desse modelo, no mínimo, um modelo distinto e integrador de diferenças.    
Já no Brasil Imperial, segundo Maria Tereza Sadek (2010), mesmo que a Constituição de 1824  já concebesse o Poder Judiciário como um poder independente, esta independêcia não era absoluta. Já no período republicano, ainda segundo a mesma autora, significativas alterações iriam ter lugar, modificando toda a organização e toda a estrutura desse poder. Uma das principais implementações do período foi a criação da Justiça Federal que não havia durante o período imperial. E claro que, dentro da cultura do patriarcado ocidental, as mulheres não ocupavam quaisquer postos dentro dessa estrutura, quer seja no período imperial, quer seja no período republicano.

Os cursos jurídicos foram criados no Brasil através do Decreto no. 1 de 11 de agosto de 1827, que instituiu, ao mesmo tempo, os cursos de bacharelado em Direito em Olinda e em São Paulo. Por óbvio, não ingressavam  nesses cursos, mulheres. A primeira bacharela em direito no Brasil foi a fluminense da cidade de Macaé, Myrthes Gomes de Campos (Schumaher et al, 2001). Myrthes se formou em 1898 pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Em razão de ter sofrido violenta discriminação, a bacharela apenas conseguiu adentrar no antigo Instituto dos Advogados do Brasil em 1906. Myrthes tinha todas as condições de ter sido a primeira mulher juíza no Brasil, mas, em razão dos evidentes empecilhos, exerceu com brilhantismo o cargo de encarregada pela Jurisprudência do Tribunal de Apelação do Distrito Federal (Rio de Janeiro), do ano de 1924 até o ano de sua aposentadoria, em 1944.
A primeira mulher a se tornar juíza no Brasil foi a catarinense Thereza Grisólia Tang. Thereza ingressou na magistratura catarinense em 1954 e foi a única juíza no estado até que em 1973, quase vinte anos depois, uma segunda juíza viesse a ser nomeada. Os estados do sul do país sempre foram pioneiros em relação às conquistas femininas, isso é incontroverso. Talvez por uma influência maior de uma cultura nórdica européia, enquanto que as mulheres do Norte-Nordeste até o litoral do Rio de Janeiro ficaram reféns da forte cultura luso-machista. Thereza Tang não apenas atingiu a cúpula do Poder Judiciário, tornando-se desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, como, por ser vice-Presidente daquela Casa, tendo o então Presidente, Nelson Konrad se aposentado em razão da idade, ocupou a sua presidência a partir de 13 de dezembro de 1989 até o dia 05 de março de 1990, concluindo, assim, o mandato do ex-Presidente.

Aqueles que estão familiarizados com o Direito Civil, mormente com o Direito de Família, facilmente lembrar-se-ão do nome da Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dra. Maria Berenice Dias, que em 1973 foi a primeira mulher a se tornar juíza naquele estado, assim como foi a primeira mulher a chegar a ser, ali, desembargadora.

E o caso do estado de Pernambuco? Estado Nordestino de onde ora se escrevem essas humildes notas sobre a mulher no Poder Judiciário? Em Pernambuco até a década de 70, era absolutamente vedada às mulheres as inscrições nos concursos de acesso à carreira da magistratura. Afirmava-se que as mulheres, em razão de suas alternâncias de temperamento, muito em função de seus ciclos hormonais, não teriam condições de atribuir justeza e equidade às suas decisões. Deixar às mulheres as decisões envolvendo a vida e os interesses de terceiros, inclusive de pessoas jurídicas de direito público, seria uma das mais altas temeridades. As inscrições femininas aos postos da magistratura pernambucana apenas passaram a ser deferidas na década de 1980. Atualmente, as mulheres representam 35% dos juízes no Estado o que atesta as suas competências não apenas para passarem nos concursos da magistratura como para exercerem os misteres da judicatura. No entanto, se na Justiça Pernambucana não é difícil para as mulheres adentrá-la e nela se manterem, é difícil, muito difícil, nela ascenderem, mormente no que tange a ascenderem aos cargos de desembargadora. O Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco existe há 200 anos e desde que as mulheres passaram a ingressar nos cargos de juíza, ou seja, há mais de 30 anos, apenas quatro mulheres chegaram ao cargo de desembargadora. A primeira desembargadora do Tribunal de Justiça de Pernambuco foi a procuradora de justiça Helena Caúla, portanto, não advinda da carreira da magistratura e sim do Ministério Público, e isso já em 2001. Em 2002, finalmente, uma juíza de carreira foi nomeada desembargadora, a juíza Magui Lins Azevedo. Após dois anos consecutivos da mulher alcançando o seu lugar ao sol na cúpula do poder judiciário pernambucano, tivemos dez anos de jejum e apenas em 2012 nomear-se-ia uma terceira mulher desembargadora no estado, a também procuradora de justiça, portanto, proveniente da carreira do Ministério Público, Alderita Ramos de Oliveira. Atualmente, há apenas uma mulher desembargadora no Tribunal de Justiça de Pernambuco, entre 51 homens, a desembargadora Dayse Maria de Andrade. Dayse Andrade foi nomeada em 2014 e também é egressa do Ministério Público. Ou seja, em toda a sua história, o Tribunal de Justiça de Pernambuco apenas teve uma desembargadora que era juíza de carreira e em pleno séc XXI, no correr do ano de 2016, ostenta o troféu do Tribunal com o menor percentual de desembargadoras em todo Brasil: míseros 1%.

IV. Da Presença das Mulheres nas Cúpulas do Poder Judiciário.

Os dados auferidos pelo Censo Nacional do Poder Judiciário, feito pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ em 2013, informa-nos que a magistratura brasileira é formada por homens brancos, com idade média de 45 anos, casados com mulheres e com filhos. Quanto às mulheres, estas compõem 36% do total dos magistrados, sendo que na magistratura trabalhista esse índice alcança 47% do total. A justificativa para o incremento do número de mulheres na Justiça do Trabalho se deveria ao fato de ser essa Justiça eminentemente social, onde as características femininas de solidariedade e equidade social exsurgiriam e seriam bem-vindas. No geral, as mulheres representam 43% dos juízes substitutos (de início de carreira), 37% dos juízes titulares, 22% dos desembargadores e 18% dos ministros de tribunais superiores.

A vida pessoal das mulheres que se dedicam à carreira da magistratura, mostra-se muito mais atingida do que a vida pessoal dos homens, ao menos é o que afirmam 76% das magistradas consultadas. Inclusive, arriscaria dizer que o casamento para os homens só o beneficia em sua vida profissional, não são poucos os juízes, principalmente dentre os juízes federais e ministros das instâncias superiores, cujas esposas não trabalham, mas vivem para proporcionar-lhes o esteio necessário para prosseguirem em suas ambições na carreira, seja cuidando da casa e dos seus filhos, seja cuidando da própria carreira do marido. Já, dentre as mulheres, não são poucas as que t~em poucos filhos ou nenhum, mais ainda, se veem impedidas de casar, caso queiram atingir postos mais altos nos tribunais superiores como foi o caso da ministra Elisabeth, recém-empossada como Presidente do Tribunal Superior Militar.

A discriminação das mulheres no exercício da judicatura é clara. Basta frequentar alguns Fóruns de Justiça. Afora a Justiça do Trabalho que como já o dissemos, abriga melhor o ser do sexo feminino por entenderem que o feminino tem uma tendência maior a lidar com as questões sociais, na Justiça Comum, cabe, no mais das vezes, às mulheres, serem juízas das Varas de Família e da Infância e da Juventude. Questões tributárias e criminais como lavagem de dinheiro e corrupção não integrariam as matérias de maior “domínio” feminino.

Inobstante esses entraves, a ocupação feminina dos cargos no Poder Judiciário tem recrudescido e as juízas avaliam que há muito a crescer, principalmente no que concerne aos cargos nos órgãos de cúpula do Poder Judiciário. A ministra Laurita Vaz, vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, observa que há uma grave desproporção na distribuição de cargos no Poder Judiciário. Quando a disputa depende de concursos de provas e títulos, as mulheres conquistam bons postos facilmente, mas quando a disputa é nas instâncias superiores e passa por condições políticas e de reconhecimento de seus próprios pares, o malogro em relação às juízas se instala.(nota). Atualmente, o tribunal com maior número absoluto de julgadoras é o Superior Tribunal de Justiça - STJ, com 7 magistradas num total de 33. No Supremo Tribunal Federal - STF, há duas mulheres entre os onze magistrados, as ministras Cármen Lúcia Rocha e Rosa Weber. Esta última também compõe, o quadro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como substituta, onde a ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura é titular. A primeira mulher a ser ministra do STF fo a ministra Ellen Gracie, nomeada em 2006 e que foi empossada como a primeira mulher a ser presidente do STF no Brasil. Neste ano de 2016, novamente, teremos uma mulher presidente do STF, a eminente ministra Cármen Lúcia Rocha.

Mas a participação das juízas nas instâncias superiores é recente. Iniciou-se em 1999, com a posse da primeira Ministra no STJ, a ministra Eliana Calmon, já aposentada. Compõem, atualmente o STJ, as ministras Laurita Vaz e Regina Helena Costa, Nancy Andrighi (atual corregedora nacional de Justiça), Maria Thereza de Assis Moura, Isabel Gallotti, Assusete Magalhães e Marga Tessler (convocada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Para finais de 2016, esperava-se que Nancy Andrighi fosse a nova Presidente do STJ. A ministra declinou do posto. O motivo? Os projetos de moralização que estavam sendo propostos pela ministra, incluindo aí, acabar com o nepotismo e evitar que os ministros julgassem os feitos nos quais seus filhos e parentes atuassem como advogados, sofreram grande resistência por parte de seus pares. Enfim, não ascendeu em razão de seus projetos éticos.

Como ora já foi aqui afirmado, a Justiça do Trabalho revelou-se mais propícia a albergar em seus postos, juízas mulheres, e não apenas em inícios de carreira, mas a possibilitar-lhes a ascensão. O Tribunal Superior do Trabalho - TST foi o primeiro tribunal superior a ter uma mulher como ministra, a juíza Cnéa Cimini Moreira de Oliveira, que foi nomeada em 1990. Dos atuais 27 ministros do TST, 6 são mulheres.

E como para a competência feminina não há limites, o atual presidente do Superior Tribunal Militar - STM é uma mulher, a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, empossada no STM como ministra em 2007. Atualmente, todas as cortes superiores de justiça no Brasil têm a presença de mulheres em seus colegiados. O Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em levantamento de 2014, revelou que um quinto dos tribunais nacionais são presididos por mulheres. Esse último dado, por sua vez, só nos mostra o atraso e o conservadorismo do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco no qual, a presença feminina é a mais pífia do país, repetindo aqui o percentual vergonhoso: 1%.

V. A Qualidade das Decisões Femininas nas Cúpulas do Poder Judiciário.

Afirmar que as decisões das juízas tendem a valorizar os aspectos humano e sensível de uma lide, pode ser redundante. Assim como afirmar que as juízas tendem a apresentar uma maior disposição de cautelosamente levar em consideração os interesses das chamadas minorias, sejam essas compostas por mulheres, negros, homossexuais ou deficientes físicos. Quanto às questões ambientais essas também tendem a dar primazia à sustentabilidade em detrimento da prevalência dos interesses econômicos e comerciais. Senão vejamos algumas decisões das ministras. Iniciemos com um trecho do Voto da Ministra Cármen Lúcia Rocha no Acórdão em sede da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54 de 2012:

(...)A primeira observação que faço é que o útero é o primeiro berço de todo ser humano. Se alguém entrar numa maternidade há de ver o mesmo que veria ao se introduzir numa mansarda, a mais pobre, que se tenta construir o berço como se fosse modelar de novo aquele primeiro ambiente de todo ser humano. Quando o berço se transforma num pequeno esquife, a vida se entorta, porque a mulher que teria que estar carregando aquele pequeno berço, para preservar aquela vida com todo cuidado, se vê às voltas com algo com o qual ele tem que lidar de uma forma muito solitária, às vezes, e sempre com o que era o imponderável da vida: a possibilidade de morte antes mesmo da vida. (...)  Qualquer pessoa (não precisa nem de ter lido literatura jurídica), quem tiver tido a oportunidade de ler "Manuelzão e Miguilim", de Guimarães Rosa, haverá de saber que talvez o grande exemplo de dignidade humana que Deus tenha deixado tenha sido exatamente o da mãe - e olha que eu tenho um super pai! A dignidade da mãe vai além dela mesma, além do seu corpo. Quando Guimarães Rosa põe a mulher carregando nos braços um filho morto, que tinha no seu pezinho, machucado uns dias antes, um pedaço de pano amarrado, ela busca o banho no pequeno corpo do filho morto e quase que esbarra na bacia; ela, então, toma cuidado para que, mesmo morto, não tenha nenhum esbarrão porque seria sofrimento imposto àquele pequeno corpo. Quem tanto tiver lido haverá de saber que, quando se faz escolha pela interrupção do que poderia ser a vida de um momento ou a vida por mais um mês, não é escolha fácil, é escolha trágica sempre; é a escolha que se faz para continuar e para não parar; é a escolha do possível numa situação extremamente difícil. Por isso, acho que é preciso que se saiba que todas as opções como essa, mesmo essa interrupção, é de dor. A escolha é qual a menor dor; não é de não doer, porque a dor do viver já aconteceu, a dor do morrer também. (...) (Rocha, 2012)
A ministra Cármen Lúcia Rocha narra em seu Voto a dor de uma mulher ao velar um filho que jaz morto em seu útero, sem qualquer possibilidade de vida. A resignação diante do trágico e a supremacia da força de uma vida, a vida materna que deve seguir adiante é uma marca do feminino trazido por esse Voto. No que tange às Uniões Homoafetivas, leiamos um trecho do Voto da ministra Ellen Gracie no qual a mesma julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4477 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132, cujos objetos são o reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas. Ellen Gracie enfatizou que a família requer a durabilidade do vínculo, a não-clandestinidade e continuidade, além da ausência de impedimento. Citando o premiê espanhol Luis Zapatero, sustentou que o STF não estava legislando para pessoas distantes e desconhecidas, mas sim, alargando as oportunidades de felicidade para nossos vizinhos, nossos colegas de trabalho, nossos amigos e nossa família. Argumentou que uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes. A ministra Ellen Gracie, concluiu o seu Voto, afirmando que “o Supremo restitui aos homossexuais, o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura a sua dignidade, afirma a sua identidade e restaura a sua liberdade”.

Quanto à importantíssima Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN 4424  ajuizada pela Procuradoria-Geral da República – PGR, quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a maioria dos membros do STF acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha. Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. De acordo com a ministra, é necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Logo, entendeu a ministra que o crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública incondicionada. Mesmo tendo o relator sido um ministro homem, sabemos da importância da presença do elemento feminino na discussão e na votação de matérias que digam respeito ao respeito à dignidade da mulher, mormente os crimes sexuais e aqueles que integram a violência doméstica. Não apenas a ministra Rosa Weber, como também, a ministra Cármen Lúcia, acompanharam o voto do relator como também, sobre o mesmo, arriscaríamos dizer, exerceu influência com as suas quotidianas presenças.

Em se tratando de discriminações raciais, apresentaríamos um voto, também da ministra Rosa Weber, pela constitucionalidade das cotas raciais instituídas pela Universidade de Brasília – UnB em sede de ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 186, ajuizada pelo partido político DEM (Democratas) contra o sistema de cotas da Universidade. Em seu voto a ministra argumentou que “A desigualdade material que justifica a presença do Estado nas relações sociais só se legitima quando identificada concretamente, impedindo que determinado grupo ou parcela da sociedade tenha as mesmas chances de acesso a oportunidades sociais”. Sobre as controvérsias em torno do tema, a ministra sustentou “Com todo o respeito, do fundo minha alma, pelas compreensões em contrário, entendo que os princípios constitucionais apontados como violados são justamente os postulados que levam à total improcedência da ação”. Sobre quem são os pobres no Brasil, Rosa Weber sentenciou “Se a quantidade de brancos e negros pobres fosse aproximada, seria plausível dizer que o fator cor é desimportante”, e concluiu “Enquanto as chances dos mais diversos grupos sociais brasileiros, evidenciadas pelas estatísticas, não forem minimamente equilibradas, a mim não parece razoável reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico”.

No que tange às questões ambientais, os votos femininos nas cortes superiores de justiça, revelam-se, também, progressistas, compromissados com o bem-estar dos seres sobre o planeta e com o bem-estar do planeta. A Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 101, questionava a importação de pneus usados, tendo sido movida pela Advocacia Geral da União. Foi decidida pela inconstitucionalidade da prática que além de ir de encontro a preceitos legais, causa graves impactos ao meio ambiente em razão da incineração e do depósito de pneus velhos.. A relatoria coube à ministra Cármen Lúcia Rocha.

Em seu robusto voto de 140 páginas, a ministra, a ministra argumentou que a proibição da importação de pneus usados é consoante com os princípios de preservação do meio  ambiente e da saúde da população, além de que o meio ambiente não pode ficar à mercê de um só fator, o econômico, In Verbis:

É inegável o comprovado risco da segurança interna, compreendida não somente nas agressões ao meio ambiente que podem advir, mas também à saúde pública, o que leva à conclusão da inviabilidade de se permitir a importação desse tipo de resíduo. (...) Não se resolve uma crise econômica com a criação de outra crise, esta gravosa à saúde das pessoas e ao meio ambiente. A fatura econômica não pode ser resgatada com a saúde humana nem com a deterioração ambiental para esta e para futuras gerações. (Rocha, 2009)


Conclusões

Lidos esses brilhantes votos e com tudo que foi ora exposto, podemos corroborar o entendimento de que uma Justiça que honre esse nome “Justitia”, não pode ser integrada, tão somente, por homens. De forma alguma negamos a importância de várias características que integram o caráter masculino e que sempre foram de grande importância para o progresso da humanidade, tais como ousadia, desbravamento e objetividade. E para essas características, porque não somar aquelas que integram o caráter feminino, quais sejam, cautela, preservação e subjetividade? Lembrando-nos que todos os caracteres podem estar presentes indistintamente em homens e mulheres, tendendo em cada ser humano prevalecer uns sobre os outros. Mas quando falamos de geração e preservação da vida, seja da vida humana, da vida de todo e qualquer ser vivo e da preservação do Planeta, não há como percorrermos esse retorno à Gaia, à grande deusa criadora do Universo e  à Justitia, à Têmis, a sua filha.  Retorno à Têmis, portadora da voz de sua mãe Gaia, voz essa que clama pela manutenção da existência de todos os seres sobre o mundo, pela manutenção da existência do mundo, pelo tecer de nossos destinos e pela realização da Justiça.

Assim, se é o sangue do elemento feminino que corre nas veias da deusa Têmis, levando em si todos os seus inumeráveis atributos a alimentarem organicamente a vida, inferimos que não são as mulheres que merecem ocupar os postos nas cúpulas do Poder Judiciário no Brasil, é a cúpula do Poder Judiciário no Brasil que merece ser ocupado por mulheres.

Referências

Bulfinch. Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia – Histórias de deuses e de heróis. São Paulo: Martin Claret, 2006.

Sadek, Maria Tereza. Poder Judiciário: uma nova instituição. Cadernos ADENAUER, São Paulo, v, XI, p.37-45, 2010.

_________________(Org.). In Uma introdução ao estudo da justiça [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. A organização do poder judiciário no Brasil. pp. 1-16.

Shumaher, Shuma et Brazil, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

Schwarcz, L. M. et Starling, H.M. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Martin Claret, 2015.

Wolkmer, Antônio Carlos (Org.). Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.



Internet:

www.stf.jus.br

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Relatórios do Conselho Nacional de Justiça- CNJ - 2013:


http://www.cnj.jus.br/images/dpj/CensoJudiciario.final.pdf

terça-feira, 28 de junho de 2016


                                          Algumas Considerações acerca do BREXIT

                                                                             Andrea Almeida Campos





                                                                                                                   



BREXIT. Se não é fácil manter-se a unidade de uma Federação ou de um Estado Unitário com todas as especificidades de seus membros, inferimos que a manutenção de uma espécie de Confederação Continental, como é o caso da União Européia passa por instâncias muito mais complexas tanto em sua edificação, quanto em sua manutenção. Nós, os doces, tolerantes e atuais democráticos povos latinos sul-americanos, nunca conseguimos que o nosso Bloco Mercosul, sequer se consolidasse como um Mercado Comum. Sermos uma União de livre trânsito de pessoas, cidadãos e mãos-de-obra, como chegou a ser os europeus, soa a nós, tão concordes entre nós, como uma utopia. Reduzir o debate sobre a saída do Reino Unido a maniqueísmos dos maus contra os bons, da direita contra a esquerda, dos intolerantes contra os tolerantes e congêneres é adentrar em uma espiral de vitimização que só dificulta a construção de soluções e aprofunda a cizânia. É hora do próprio Bloco rever suas fragilidades, suas instituições, suas burocracias. É hora de todos que atualmente se vestem de vítimas, fazerem uma profunda análise de suas atuações e enxergarem no que foram protagonistas de seus próprios fracassos. Sim, porque hoje, todos aqueles que veem os seus projetos de poder se esvaírem, tiveram o poder em suas mãos, como no caso da União Européia, como no caso das forças progressistas no mundo. É bom que, urgentemente, seja feita uma autocrítica, sejam sanados os vícios e se reconstrua um projeto sólido, consistente e adequado aos fundamentos da soberania, da cidadania e da democracia. Antes que se vão os anéis e não fiquem nem os próprios dedos.













Tudo que desinstrui é enervante, ainda mais para quem é professor. O que tem deixado os meus ouvidos e olhos doendo é a tradução que tem sido feita para o termo "EU Referendum". A tradução mais simples e porque não dizer, preguiçosa, é aquela que traduz a frase para "O Referendo da União Européia". Ai, meus ouvidos! Socorram meus olhos! O Direito Brasileiro pede misericórdia!rs Fico ainda com mais raiva por saber que isso pode trazer confusão aos alunos de direito. Pois vamos lá. A tradução correta para o português e o direito brasileiro é "O Plebiscito da União Européia". Por que "Plebiscito" e não "Referendo"? Porque o Direito brasileiro faz distinção entre os dois institutos que são previstos no art. 14 da Constituição Federal como formas de participação direta do cidadão na Democracia e que foram devidamente regulamentadas por Lei posterior . Senão vejamos, no plebiscito, o cidadão vota sobre uma determinada matéria antes de uma lei ser elaborada e aprovada acerca da mesma no Congresso Nacional. Foi o que ocorreu no Brasil em 1993, quando votamos contra ou a favor da instituição do parlamentarismo ou da continuação do presidencialismo, lembram-se? Quando há uma consulta popular sobre lei cuja matéria já foi aprovada pelo Congresso Nacional, a modalidade adequada da consulta popular é o referendo. Ou seja, o povo "referendará" ou não uma Lei que já foi aprovada, mas que precisa do referendo popular para entrar em vigor. Foi o que fizemos em 2005 em relação à Lei do Desarmamento, lembram-se? Portanto o "Referendo" Inglês no que tange ao "EU Referendum" não corresponde juridicamente, ao "Referendo" no Direito Brasileiro, já que se trata de matéria não legislada e ainda não aprovada pelo Parlamento Inglês. O Referendum Inglês, no caso em tela, portanto, corresponde ao nosso "Plebiscito". Bem, fiz a minha parte, mas sei que a mídia preguiçosa e descompromissada continuará a traduzir o "referendum" Inglês por referendo em português e por conseguinte, por referendo no direito brasileiro. Portanto, os meus ouvidos e os meus olhos continuarão doendo. What else can I do?rs


Outra questão jurídica que por São João, eu me sinto no dever de elucidar rs. Tem-se responsabilizado muito os políticos e dirigentes por esse resultado, assim como todo o modelo eleitoral. Claro que os políticos influenciam, para o bem e para o mal. Mas, não nos esqueçamos que o plebiscito e o referendo não são formas "representativas" do cidadão participar na democracia, mas sim, formas "diretas" de participação, ou seja, sem representação. É a forma democrática por excelência, aquela que dispensa os políticos, aquela dos gregos que tomavam suas decisões políticas não através de seus representantes (deputados, senadores, etc), mas através de seus próprios cidadãos que iam à "Ágora" e votavam diretamente acerca dos seus destinos e o destino da pólis. Portanto, podemos não estar satisfeitos quanto ao resultado, mas quando se trata de criticar os institutos democráticos por excelência, aqueles nos quais o povo participa diretamente, e cujo peso do voto é igual para todos, é melhor, take care, take care...rs Ou, estamos querendo a volta de alguma espécie de voto censitário ou algo diverso da Democracia?




Ainda sobre o BREXIT que tem tanto a nos ensinar. Quem foi a maioria esmagadora dentre aqueles que votaram pelo Brexit? Foram o operariado, as pessoas das classes mais desfavorecidas, das regiões mais pobres do Reino Unido que se insurgiram gritando que a globalização trazida pela União Européia é boa para os grandes, para o grande capital, para as grandes empresas e devastadora para os pobres, para os pequenos. Esses que foram já ditos por Friedrich Engels como sendo o verdadeiro operariado do mundo somaram 68% dos votos a favor do Brexit. Algo similar ao resultado das últimas eleições presidenciais no Brasil, cuja presidente eleita teve a grande maioria dos seus votos vindos das regiões mais empobrecidas do Norte-Nordeste brasileiro. Quero dizer com isso que o Brexit é o melhor pra sociedade internacional? Não. E esse não é um debate fácil, quando se propõe a ser honesto. Aqueles que claramente se colocam a favor do liberalismo econômico como a revista "The Economist" claro que estão frustrados com o resultado e com razão. Mas, estou querendo chamar a atenção para aqueles que se dizem contra o grande capital e condenam o Brexit. Oportunisticamente, vêm com a postura que acreditam ser a de quem protege os fracos e oprimidos, quando foram, em sua maioria, os mais fracos e oprimidos do Reino Unido que pediram pelo Brexit...







Globalization Exit. Acho, no mínimo, engraçado no caso Brexit, ouvir vozes que historicamente se colocaram em oposição ao liberalismo econômico, ao capitalismo e à globalização, lamentarem profundamente a saída da Grã-Bretanha da União Européia. Ora, ora, não era isso o que queriam? Cada um na sua?rs Senão vejamos. A União Européia nada mais é do que um Bloco Econômico, fruto do processo de globalização e de expansão do capital, atingindo um alto patamar no modelo econômico liberal com o livre trânsito de mercadorias, de ativos, de consumidores e de força de trabalho. Paradoxalmente (e isso é um prato cheio para os estudiosos!rs), a Nação que criou o liberalismo econômico e semeou a globalização desde priscas eras, é aquela que primeiro coloca um freio nesse mesmo liberalismo e nessa globalização! Sim, porque retirar-se de um Bloco Econômico como a União Européia é dizer um basta, um chega pra lá ao liberalismo, ao capitalismo e à globalização. Por óbvio que a Grã-Bretanha não deixará de ser capitalista (mas sabemos que a sua saída agradou bastante a Putin rs), mas provocou um freio derrapante no capital globalizado, na globalização, daí a irritação de países com a China e o terremoto que provocou nas Bolsas de Valores de todo o mundo. A Grã-Bretanha, berço do liberalismo e da expansão do capital, refreia a sua própria globalização e faz um movimento rumo ao nacionalismo e ao populismo. Como tradicionais navegadores que são, esperamos que sejam bem sucedidos como comandantes desse navio solo. Que não naufraguem... Tomorrow always knows... Quanto aos que se opõem à expansão do capital, comemorem!






E leio em um periódico brasileiro de grande circulação: "(...)perguntou se os cidadãos do Reino Unido queriam continuar fazendo parte da União Européia, na qual estão desde 1973, ou se preferiam sair dela." Deu até vontade de rir rs. Criatura do céu, a União Européia passou a existir apenas a partir de fevereiro de 1992, com o Tratado de Maastricht que foi assinado em dezembro de 1991, como é que os britânicos poderiam integrá-la desde 1973?rs O que os britânicos passaram a integrar a partir de 1973, foi a Comunidade Econômica Européia, que, inclusive, já estava em vias de formação 20 anos antes com a Comunidade do Carvão e do Aço e que não tinha a participação britânica. Por sinal, a saída do Reino Unido da União Européia não significa a saída do Reino Unido do Mercado Comum Europeu. Seguramente, eles lá continuarão, sem estarem sob a égide da burocracia de Bruxelas... É quanto à essa estratégia, de continuar no mercado comum e "livrar-se" da pesada burocracia da União Européia que Bruxelas envidará esforços para que os britânicos não sejam "fujões" bem sucedidos...rs







A reboque do BREXIT: A Migração e os crescentes Processos de Hostilidade no Mundo. "Para o outro, eu serei sempre o outro".









Paradoxalmente, os problemas alegados em decorrência da imigração na Inglaterra e que teria sido um fator-chave para o Brexit, não apresentam um peso de fato na economia do Reino Unido. Pelo contrário, os britânicos sempre foram rigorosos no tratamento dado à imigração, por vezes de forma exacerbada e até, provavelmente, criminosa, vide o que ocorreu ao nosso Jean Charles. O Reino Unido sempre recebeu quem e no número de pessoas que lhes convinha e do qual precisa. Por fim, a imigração no Reino Unido incrementa o seu PIB e não o contrário. Então, por que essa ser uma bandeira tão forte, a bandeira contra a imigração? Isso é próprio do reacionarismo e da ignorância? Antes de responder as razões dos outros, tento mergulhar em minha própria experiência. Sou de um estado do Nordeste do Brasil, Pernambuco. Cresci em uma praia turística, a praia de Boa Viagem, onde desde menina ouvi as seguintes frases, não só dos adultos, mas de meus jovens amigos: "não vamos ficar naquela parte da praia, porque ali só tem turista"; "não vamos àquele restaurante, porque ali só tem "gringo", "há uma excursão ótima para o exterior e o melhor: só ficaremos com gente daqui". Tivemos num momento crucial de abertura do Brasil para o mundo, em fins da década de 80 e inícios da década de 90, um governador socialista, Miguel Arraes que demonizava o turismo e qualquer fluxo de pessoas que viesse de fora de nosso estado. Em razão do atraso nessas políticas de integração através da indústria do turismo, o nosso estado, apesar de ter, principalmente, inigualáveis belezas naturais, continua bastante atrasado nessa inserção. Muito poucos, inclusive dentre os que integram o setor de serviços, falam uma segunda língua. A chegada de orientais ao centro de nossa cidade do Recife, principalmente coreanos, é tratada com desdém. Isso porque são comerciantes, imagino se eles eles viessem disputar conosco, diretamente, nossos empregos, vagas nas escolas e nas universidades e no nosso sistema público de saúde. Interregionalmente, o Brasil é marcado por fortes preconceitos e discriminações. Os que migram dos estados do Nordeste para o Centro-Sul sofrem não apenas violências de cunho moral, que são as mais fortes, como, eventualmente, violências físicas. A migração do Norte-Nordeste para o Centro-Sul é vista como a grande responsável pela miséria, favelização e criminalidade em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Os nordestinos, a não ser aqueles que aparentem ou sejam, comprovadamente, das classes superiores, são tratados de forma hostil e jocosa. Morei sete anos em São Paulo e à época, a então prefeita, Marta Suplicy, tinha por bandeira política barrar o processo migratório do Nordeste para o Sudeste, pois esse era o grande "culpado" por todos os males da cidade. Que exemplo, então somos nós, povo brasileiro, para nos estarrecer tanto diante de comportamentos que também são os nossos, sem falar que nunca experimentamos internamente uma diversidade e um cosmopolitismo tão vasto como os britânicos, principalmente os "londoners"? Claro, também, em razão de nunca termos sido um Império e chamados a arcarmos com as consequências disso. O fato é que, mais do que um problema político-econômico, temos aqui um problema de psicologia social. A resistência e o medo a tudo o que é diferente de nós é uma marca do humano desde os mais tenros anos. Basta lembramo-nos de nossas turminhas de escola, de como, desde então, éramos segregacionistas e nos juntávamos tão somente àqueles que tinham a ver e eram parecidos conosco. Dado isso, o que fazer então, diante dessa onda que chamamos de reacionária, e que nada mais é do que a expressão de uma boa parte daqueles que integram a condição humana, basta que sejam colocados em uma situação onde impere a "diversidade" (pois é muito fácil criticá-los quando vivemos as nossas vidas apenas entre os "nossos")? Arriscaria que, primeiro, resolver os problemas que geram a migração. No caso do meu Estado e da minha Região, políticas de educação, de saúde e de combate à corrupção (o Nordeste recebeu um sem-fim de subsídios em projetos de combate à seca que foram desviados pela corrupção, vide a falência de órgãos como a SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). E quanto à atual migração na Europa? Enquanto não houver paz no Oriente Médio, enquanto não houver um cessar fogo, enquanto não se enfrentar as forças da Indústria Bélica que se alimentam desses conflitos e que, geralmente, estão sediadas nos países que recebem esses migrantes, o problema tende a se expandir. Ou será que pensamos que o problema da migração é apenas de quem recebe os migrantes? A necessidade de migrar, de deixar as suas raízes, seus afetos, suas memórias, sua cultura, suas tradições, é, no mais das vezes, um ato de desespero pela sobrevivência, muito antes de ser um desejo de "tomar o que é dos outros". O migrante é um exilado, um banido, e o exílio e o banimento, historicamente sempre foram penas para crimes graves. Ou seja, a escolha pelo exílio, não deixa de ser uma escolha por se autoinflingir uma pena, mesmo que uma pena menor para o que já se está sofrendo em seu lugar de origem. Às vezes fico admirando fotos das belas cidades sírias com seus templos e minaretes e fico imaginando a incomensurável dor daqueles que tiveram as suas cidades destruídas e foram forçados a deixá-las. Portanto a questão é acentuadamente complexa e não podemos reduzi-la a etiquetamentos quer seja de reacionarismo ou xenofobia, sabendo que esses sintomas, claro, devem ser veementemente combatidos, e que fique claro, os sintomas, não as pessoas que os tenham, pois não podemos entrar na mesma lógica binária dessa espiral perversa que nos divide permanentemente entre “o nós e os outros”. Temos que tratar do problema em suas causas, em suas origens, combatendo-as. Quanto a aceitar a diferença, teremos todos igualmente crescido em nossa humanidade e em nossa possibilidade de construirmos uma comunidade humana, verdadeiramente global, ao dizermos sim, ao nos abrirmos ao diálogo e ao cuidado inclusive daqueles que insistem em nos dizem "não".







quinta-feira, 9 de junho de 2016



                                          Sociedade brasileira antes da Lei Áurea em 1888.


                  Sociedade brasileira  em 2016, mais de um século após a promulgação da  Lei Áurea





Discuti com os meus alunos de Direitos Reais (Direito de Propriedade) sobre a atual  invisibilidade do dia 13 de maio, o dia no qual foi abolida a escravidão no Brasil. Questões de discriminação racial, hoje,  são discutidas no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra. A invisibilidade do dia 13 de maio, também, atende às demandas do próprio movimento negro no Brasil que alega que a Lei Áurea "não o representa". No entanto, somos da posição que invisibilizar a Lei Áurea é estar de olhos fechados para todas as suas omissões, tanto em relação aos ex-proprietários de escravos, que no espaço de um ano se vingaram do Império, proclamando a República, como e, principalmente, em relação aos ex-escravos. Estes últimos, ao não terem poder político e econômico como os seus donos, foram lançados ao limbo. Nem foram indenizados, nem tiveram acesso ao direito de propriedade através de uma reforma agrária que deveria ter sido regulamentada pela Lei Áurea. Não foram sequer absorvidos pelo mercado de trabalho assalariado, tendo as suas mãos-de-obra que sustentaram a economia do Brasil por quase 400 anos sido substituídas por um perverso processo de "branqueamento" da população brasileira. As suas contratações foram preteridas pela contratação de italianos e polacos para o trabalho assalariado agrícola no país. Restou aos ex-escravos, negros, irem viver às margens dos incipientes centros urbanos, em áreas onde havia plantinhas chamadas de "favelas"... Inaugurava-se, assim, a perversão social da qual, hoje, somos todos herdeiros e à qual estamos todos, hoje, escravizados.

A Lei Áurea é uma lei de tão somente dois artigos na qual o Estado Brasileiro e Português lavam as mãos para o sistema que foi, desde o início da exploração desse solo, o seu sustentáculo e fonte de vultosos lucros. São estes os dois artigos da Lei:

Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.



Diante disso, conclamei os meus alunos a regulamentarem a Lei Áurea. Os trabalhos foram todos muito bons. Escolhi este para ilustrar como uma Lei Áurea outra, poderia ter nos dado de presente, um presente outro...



UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
6º PERÍODO – TURMA NP2















REGULAMENTAÇÃO DA LEI ÁUREA

Atividade apresentado à Disciplina de Direito Civil V, da Universidade Católica de Pernambuco, como requisito para obtenção de pontuação no 2ª GQ.

Prof.ª Andrea Almeida Campos








Lays Rodrigues Cavalcanti de Lima
Marluce Alves Pereira
Raiane Barros Dias







Recife, 17 de maio de 2016.
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

Declara extinta a escravidão no Brasil.
A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
TÍTULO I
Dos Direitos e Garantias Fundamentais

CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1°. É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.
Art. 2º. Aos ex-escravos é garantido o direito à vida, à igualdade, à propriedade, ao trabalho digno, sem tortura e sem tratamento degradante, à educação e à assistência à saúde.
§ 1º. Fica garantido ainda o direito à indenização, sendo essa auferida de acordo com o tempo em que ficaram na submissão dos seus senhores.
§ 2°. O Governo pagará a indenização de acordo com as regras seguintes:
I – 0 a 10 anos na condição de escravo fará jus a 400$00
II – 10 a 20 anos na condição de escravo fará jus a 550$000
III – 20 a 30 anos na condição de escravo fará jus a 700$00
IV – 30 a 40 anos na condição de escravo fará jus a 850$000
V – Acima de 50 anos na condição de escravo fará jus 950$000
Art. 4º. É garantido aos ex-escravos os mesmos direitos garantidos aos cidadãos do Império.

CAPÍTULO II
DA PROPRIEDADE

Art. 5º. Fica o Governo obrigado a distribuir as terras do Império para os ex-escravos, garantindo-lhes melhores condições sociais e econômicas. As terras a serem objeto de reforma agrária para o fim de acesso dos ex-escravos à propriedade rural serão discriminadas em lei ordinária a ser promulgada num prazo de 180 dias a partir da promulgação desta Lei.
Art. 6º. A propriedade deverá ter no mínimo 400m2, garantindo a eles lugar para moradia e usufruto da terra para trabalhar sob economia de subsistência caso não desejem trabalhar para terceiros.
Art. 7º. Os ex-escravos deverão ter plenos direitos sobre a propriedade, quais sejam, os de usar, gozar, fruir e reaver.

CAPÍTULO III
DO TRABALHO

Art. 8º. Fica garantido aos ex-proprietários de escravos indenizações para o fim de incentivar a contratação de mão de obra assalariada. Incentivos fiscais para a produção agrícola serão regulamentados por lei ordinária no prazo de 180 dias da promulgação da presente Lei.

Art. 9º. A indenização será estipulada conforme a quantidade de escravos mantidos à época.

I – De 1 a 20 escravos fará jus a 200$000
II – De 21 a 40 escravos fará jus a 400$000
III – Acima de 40 escravos fará jus a 800$000

Art. 10. Ficam obrigados os ex-proprietários a instruir a mão-de-obra assalariada acerca do trabalho executado.

Parágrafo único. A instrução deverá ser passada num prazo de até 60 (sessenta) dias após a contratação.

                                                                      CAPÍTULO IV
                                                                      DA EDUCAÇÃO

Art. 11. O Governo garantirá ensino básico a todos os libertos sem distinção de idade ou sexo.

CAPÍTULO V
DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Art. 12. É dever do Governo garantir o acesso à saúde de ex-escravos para que seja a redução do risco de doenças e de outros agravos.



CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
 Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário.

Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.
O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.

Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.
        Princeza Imperial Regente.

RODRIGO AUGUSTO DA SILVA
Carta de lei, pela qual Vossa Alteza Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral, que houve por bem sanccionar, declarando extincta a escravidão no Brazil, como nella se declara.
Para Vossa Alteza Imperial ver.
Chancellaria-mór do Império.- Antonio Ferreira Vianna.
  Transitou em 13 de Maio de 1888.- José Júlio de Albuquerque