sábado, 23 de abril de 2022

 



Vou amar antes que eu me esqueça

que há um laço entre as cores

pontilhando as emoções no vento,

que em cada sorriso desabrochado

se alucina a primavera,

que há um pedaço de mar

no sal decantado na pele,


Vou amar antes que eu me esqueça

que o sol são vários olhos de luz

que escalam o dia pra enxergar a noite,

que em todo abismo há um sonho

de fundo inatingível cujo sonho

é não deixar de ser sonho,


Vou amar antes que eu me esqueça

que o choro é a salvação

para a aridez da alma,

que o sabor da saudade

vem em gotículas na língua,

que é nas asas da madrugada

que a tristeza míngua,


Vou amar

antes que entardeça,

antes que o ocaso pesque da voz

a última palavra 

e o silêncio

fale em mim a expressão do nada.


Vou amar antes que eu me esqueça,

Vou amar para que eu mereça

Ser num grão de amor amada

Na vida repisada no pó da estrada.


Andrea Campos


sexta-feira, 22 de abril de 2022

 22 de ABRIL: DESCOBERTA DO BRASIL.

(O QUE A FLORENÇA DE MICHELÂNGELO TEM A VER COM ISSO E COM O NOSSO CABO DE SANTO AGOSTINHO?)


Tem a ver que quem financiou as esquadras portuguesas  para a descoberta dos novos caminhos para as Índias e a exploração das terras ao sul do Equador foram banqueiros e armadores florentinos.

Sim! Os banqueiros florentinos, Marchionni e Lorenzo de Médici, o grande mecenas de Michelângelo, foram uns dos maiores financiadores para que ocorresse a "descoberta" de nosso território. 


E mais, lembram-se daquele navegador florentino, empregado de Lorenzo de  Médici, e que convivia com artistas como Botticelli, o Américo Vespúcio? Sim? Pois foi ele mesmo! Foi Américo Vespúcio quem capitaneou uma expedição pela costa brasileira em 1501(contratado pelo rei D. Manuel I de Portugal, por supuesto) e andou por aqui pela nossa costa pernambucana, nomeando o nosso Cabo de Santo Agostinho com esse nome, uma vez que passaram pelo cabo no dia dedicado a esse santo. Foi um cidadão de Florença, um italiano renascentista, o europeu que comandou a primeira visita às  terras do que hoje é o nosso estado de Pernambuco, portanto.


Quanto ao dia do "descobrimento", assim como a visita de Américo Vespúcio ao nosso Cabo de Santo Agostinho passarem em brancas nuvens, e o dia 21 de abril ser Feriado Nacional, penso que já ficou claro que feriados referentes a datas nacionais dizem mais respeito à uma arquitetura de poder que atende a interesses e ideologias contingentes do que a importância histórica do fato em si. Festejar europeus em nosso solo, para a nossa identidade contemporânea, fala menos do que um militar no cadafalso.


Mas, é bom, mesmo sem comemorações, sabermos que nos 1500, estávamos, de algum modo, mais próximos do mundo Renascentista de Michelângelo do que poderíamos imaginar.


Arrivederci! Baccio!




sábado, 9 de abril de 2022

 COURTISANE LISANT: AS PROSTITUTAS TAMBÉM LEEM...


Claro que não podemos aplicar a premissa aos tristes trópicos, uma pátria de iletrados e onde a atividade da prostituição ainda é, em uma boa medida, sintoma de exclusão social. Nem podemos afirmar que as cortesãs (prostitutas de alta casta) durante  fins do séc. XIX, não fossem provenientes de estratos sociais menos favorecidos. No entanto, ao menos em se tratando das cortesãs francesas e orientais, tinham acesso à educação básica. Educação essa que, durante muitos séculos, mesmo as mulheres da chamada "elite" no Brasil,  dela foram privadas...




 VIOLÊNCIA SEXUAL NA LITERATURA: "O ASSASSINO DA RUE MONTAIGNE" DE OCTAVE MIRBEAU (1900).


Antes de ser, atualmente, de conhecimento amplo e popular, a literatura em suas obras, não poucas vezes, retratou o violador sexual com a aparência do mais inatacável dos homens, de moral ilibada e alta respeitabilidade social. Assim é sói como é narrado na novela de Octave Mirbeau " O Assassino da rue Montaigne". Na paralisante narrativa, um homem de reputação irretocável estupra e mata as prostitutas parisienses. Esse homem é conhecido por sua amabilidade melíflua, seus modos gentis e suas palavras "simples e fáceis"...


"Ele é alto e bonito; o ar de um cavalheiro. Ele não é mais jovem; sua testa é despida, suas têmporas se tornam desajeitadas, e algumas rugas têm suas bochechas cavadas; mas ele é robusto, dessa robustez encantadora que se esconde sob a elegância de um corpo magro, flexível e nervoso. Sua mente não está sem prazer, e suas maneiras são atraentes. Raramente tenho conseguido encontrar uma natureza mais analítica, mais complicada, mais sutil que a dele. Quando ele quebra uma ação, um sentimento humano, ele realmente surpreende pela curiosidade, a profundidade, a perversidade de suas investigações psicológicas. Uma coisa me preocupa: o olhar dele. Um olhar frio e pálido que penetra por trás, como a lâmina de um surin e não suporta o exame prolongado de outro olhar que cruza o seu. Então ele vai para longe, está aterrorizado, foge de um canto para o outro pálpebra e, eventualmente, esconder, por crouches, tremendo na parte de trás do olho, na sombra dos cílios. É a única falha deste homem impassível, surpreendentemente mestre dele. Mas esse defeito escapa a muitas pessoas e, para perceber que esse olhar contém uma vida misteriosa e conturbada, é preciso ser dotado de alguma observação.


Um dia, em sua casa, onde eu tinha vindo por acaso, eu o vi brincando com uma faca, e foi a primeira vez que tive a sensação muito clara e comovente de que eu estava na presença de um assassino."




domingo, 3 de abril de 2022

 Crendo ou não, sendo ou não ateu, todos os textos sagrados simbolizam verdades, ao menos as verdades produzidas em seu tempo. As que se reproduzem na História são aquelas pressentidas pelo humano como uma verdade profunda e universal. Dentro desse raciocínio, a Bíblia é uma verdade do povo hebraico. A despeito de não acreditar-se na existência de Adão e Eva, não há como desprezar a sua simbologia. Adão e Eva, assim como o mito de Prometeu, nos diz sobre a interdição da realização plena do desejo, sobre a nossa queda ao transgredirmos os limites dessa interdição, ao nos desarvorarmos em direção a ele, escravos de nossas vontades, sem limites, sem freios. O Paraíso não é uma terra sem Lei.





*

Tela de Rossetti.

sexta-feira, 1 de abril de 2022

 "A propriedade é um fenômeno histórico, da alçada portanto da sociologia. A ciência da economia o estuda sob o aspecto econômico; sob o jurídico, a do direito.


A propriedade não é uma criação da lei. Ela surge diante do legislador como um fato, como a "expressão de um juízo sintético a priori, prático", na linguagem incisiva de Kant". 


(Virgílio de Sá Pereira in Direito das Coisas: Da Propriedade)



 Ainda sobre o caráter individualista do conceito romano de propriedade, discorre Ciccaglione (apud SÁ PEREIRA) em seu " Storia del Diritto italiano": Se já no conceito romano da propriedade pouca importância tinha o elemento social, predominando o individual, no conceito dos intérpretes este elemento foi exagerado até o egoísmo, dando os postglosadores ao proprietário, por um lado, o direito de abusar da coisa, e por outro, extendendo-o sobre o fundo, "usque ad coelum", e abaixo dele,"usque ad profundum". Cesare Nani qualifica essa interpretação como "communnissimo erro", corroborada por Ihering que considera como profundo erro essa tese dos juristas. Ou seja, há uma crítica na doutrina tratadista (não encontramos isso nos manuais) de que os romanos não conheceriam a função social da propriedade, portanto, esse entendimento milenar não seria assim tão procedente...


Exemplos aqui do caráter social da propriedade romana (não cai na prova rs): I) Na cultura da terra, quando a tira ao proprietário ocioso e a dá a quem a cultive; II) Na adjudicação da casa em ruína ao condômino que a reconstruiu; III) Na concessão a terceiros da exploração de tesouros em terreno alheio; IV) Na proibição de se enterrarem com o defunto os seus valores. (Exemplos tirados da Edição Histórica de "Direito das Coisas: Da Propriedade" de Virgílio de Sá Pereira).



 E preparando a nossa avaliação de Direitos Reais, no ponto que tange ao direito de propriedade, elaborei a seguinte questão que os meus alunos poderão responder por aqui rs (pensei em fazer isso seriamente, mas prejudicaria os alunos que não têm FB ou que não estão conectados a mim via FB). Bem, lá vai a questão, incluindo, também, direito comparado, afinal estudamos o direito de propriedade, também, no Código Francês (Code Napóleon). Então, vamos lá, treinando pra prova!


Questão

Os códigos civis brasileiros, tanto o de 1916, quanto o de 2002, não definiram a propriedade, como também, não a definiram os romanos, lembrando-nos do que dispunha o Digesto "omnis definitio in jure civili periculosa est". No entanto, o Código Civil Francês, em seu art. 544, define a propriedade desta forma:


"La proprieté est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les réglements".


"A propriedade é o direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta, contanto que  o exercício desse direito não seja defeso em lei ou pelos regramentos"


Esta definição contém duas cláusulas que se repelem, que se não ajustam, nem podem coexistir. Trata-se do que os escolásticos chamavam de uma "contradictio in adjecto".

Portanto, à luz da ordem jurídica civil pátria, responda e fundamente a sua resposta:


!) Quais são as cláusulas que se repelem no art. 544 do Código Civil Francês? Fundamente.

2) Em que consistem os jus fruendi e o jus abutendi?

3) O Código Civil Brasileiro em seu art. 1.228, ao evitar a definição de propriedade utiliza-se de que técnica para que se entenda o que é a propriedade?

4) Você concorda com a disposição do Digesto de que "definir tudo no direito é perigoso"? Fundamente a sua resposta.


Alea jacta est!rs





 Relendo a "Teoria simplificada da posse" de Rudolf von Ihering a fim de bem elaborar a nossa prova, deparo-me com uma questão muito sensível e que, de tão silenciada, tanto pelos manuais, quanto pela Exposição de Motivos de nosso Código, poucos discutem. Tem a ver com as teorias da posse de Ihering e a de Savigny. É o seguinte. Tornou-se pacífico o entendimento de que na teoria da posse de Ihering há um só elemento, o "Corpus" (teoria objetiva) enquanto que  na teoria da posse de  Savigny constam dois elementos, quais sejam, o "Corpus" e o "Animus Domini". Como vocês, nobres alunos, são adestrados para provas de marcar 'x', nessas provas, continuem marcando essa assertiva como a correta. Mas nas provas dissertativas, vocês podem discorrer que há duas Teorias da Posse em Ihering: a originária, ou primeira versão da sua teoria na qual a posse é tão somente constituída pelo elemento "Corpus" e uma segunda versão dessa teoria que apenas alguns doutrinadores atentaram quanto a ela, tais como Serpa Lopes e Limongi França, que reconhece dois elementos na posse da teoria objetiva de Ihering, quais sejam, o "Corpus" e o "Animus Domini", apesar de terem em ambos seus conteúdos, elementos diversos dos elementos trazidos por Savigny. Essa segunda versão foi publicada por Ihering em sua última obra "Du rôle de la volonté dans la possession" ("O Papel da Vontade na Posse") e é a que, realmente, é esposada pelo Código Civil de 2002. Mas, vai que os componentes das bancas examinadoras da vida não tenham tido notícia disso... Vai ser uma confusão danada na hora da arguição... Melhor deixar quieto...rs



 E até os gênios erram em seus prognósticos...rs Vejam o que diz Ihering em sua Magnum Opus, "Teoria Simplificada da Posse": 


"O 'Direito da Posse na Idade Média e em nossos Tempos', de Burns (1848), é a meu ver, a obra científica mais preciosa de nossos tempos acerca da posse; ela é um verdadeiro modelo. A obra de Burns conservará seu valor para a ciência enquanto a de Savigny não passará de um mero interesse histórico". Gente, alguém conhece esse tão proclamado Burns?rs 


(Abaixo Ihering ao lado de seu "considerado medíocre para a ciência"rs, e que a gente continua citando noite e dia, Friedrich von Savigny).




 A MULHER  COMO  OBJETO DE PROPRIEDADE DO HOMEM  NA  LEI  DAS  XII TÁBUAS ROMANA (450 a.C)

(Ou alguém achou que por estar discorrendo sobre posse e propriedade eu iria deixar de discorrer sobre a condição feminina?)


Organizando os meus livros que tratam de posse e propriedade, fiz uma escavação até a Lei das XII Tábuas.  Fui ao Código de Hamurabi, também, mas vamos ficar em algo mais recente, na Lei das XII Tábuas romana rs. Bem, nessa vetusta Lei, de mais de 2.450 anos, a primeira Lei dos romanos, a Posse e a Propriedade estão disciplinadas na Tábua VI, In Verbis: Do Direito de Propriedade e da Posse. A propriedade e a posse estão disciplinadas em nove artigos, sendo dois deles, destinados ao direito de propriedade sobre as... Mulheres!rs Eu digo e não acreditam, então, vamos lá, aos artigos rs:


                                      TÁBUA VI 

             Do Direito de Propriedade e da Posse. 

(...)


VI. A mulher que residir durante um ano em casa de homem, como se fora sua esposa, será adquirida por esse homem e cairá sob seu poder, salvo se se ausentar da casa por três noites.


Comentário meu: Por que há mulheres que são milenarmente tão insubalternizáveis?rs O que que essa criatura tinha que fazer fora de casa durante três noites?rs Deixar de cair sob o poder de um amo e senhor seu marido, podendo passar a ser adquirida como uma "coisa" dele por besteira? Como é que uma mulher abre mão, tão facilmente, de  tão alto privilégio de ser propriedade de um homem?


IX. Se alguém quer repudiar a sua mulher, que apresente as razões desse repúdio.


Comentário meu: Ser propriedade de um homem era mesmo uma situação de privilégio para as mulheres. Não havia possibilidade de vida sem estar à sombra de um falo. O falo sustentáculo do famulus, já que família vem do latim famulus que significa "ser servo, estar sob um poder". Logo, uma mulher deixar de ser propriedade de um homem e sair do poder de uma família era a sua derrocada fatal, sua lamentável condição de infortúnio. Portanto, mister falo, para tanto, apresente fundamentadamente as razões desse execrável repúdio! 


Francamente, eu não dava nunca pra ter nascido em Roma...