sábado, 26 de fevereiro de 2022

 O CARÁTER SADOMASOQUISTA NA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO SEGUNDO O PENSAMENTO DE GILBERTO FREYRE.


"Moll salienta que a primeira direção tomada pelo impulso sexual na criança - sadismo, masoquismo, bestialidade ou fetichismo - depende em grande parte de oportunidade ou chance, isto é, de influências externas sociais. Mais do que de predisposição ou de perversão inata. (...) Nesse período é que sobre o filho da família escravocrata no Brasil agiam influências sociais -  a sua condição de senhor cercado de escravos e animais dóceis - induzindo-o à bestialidade e ao sadismo. Este, mesmo dessexualizado depois, não raro guardava em várias manifestações da vida ou da atividade social do indivíduo, aquele "sexual undertone", que segundo Pfister, "is never lacking to wellmarked sadistic pleasure". 


Transforma-se o sadismo do menino e do adolescente no gosto de mandar dar surra, de mandar arrancar dente de negro ladrão de cana, de mandar brigar na sua presença capoeiras,  galos e canários - tantas vezes manifestado pelo senhor de engenho quando homem feito; no gosto de mando violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou de administração pública; ou no simples e puro gosto de mando, característico de todo brasileiro nascido ou criado em casa-grande de engenho. Gosto que tanto se encontra, refinado em um senso grave de autoridade e de dever, em um D. Vital, como  abrutalhado em rude autoritarismo em um Floriano Peixoto. (...)


Mas esse sadismo de senhor e o correspondente masoquismo de escravo, excedendo  a esfera da vida sexual e doméstica, têm-se feito sentir através da nossa formação, em campo mais largo: social e político. Cremos surpreendê-los em nossa vida política, onde o mandonismo tem sempre encontrado vítimas em quem exercer-se com requintes às vezes sádicos; certas vezes deixando até nostalgias logo transformadas em cultos cívicos, como o do chamado marechal-de-ferro".


Gilberto FREYRE in Casa Grande & Senzala. (1933/2006), p.113-114.


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Ilustração: Jean-Baptiste Debret "Mercado de Tabaco".



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