sábado, 17 de julho de 2021

 CORPOS FEMININOS, PANOPTICOM SOCIAL E BIOPODER

A cada dia vejo uma notícia nova acerca de dispositivos de controle da estética e modos de estar no mundo dos corpos femininos. Seja sobre o peso, a cor de cabelo e, sobretudo, ataques às mulheres com mais de 40 e 50 anos que continuam joviais e atraentes. Sim, porque diversamente do que se tem propalado, não vejo uma pressão por jovialidade sobre as mulheres de mais de 40 anos, mais ainda sobre as que chegaram à menopausa, muito pelo contrário! As que atingiram essa marca no tempo devem aposentar não apenas as suas vaidades como seus sex appeal, portanto, seus corpos, suas sexualidades. A pressão social por beleza e sensualidade amaina transpostos os 35 anos de idade, e ser esse o marco temporal a partir do qual engravidar já não é tão fácil, parece não ser uma mera coincidência: depois disso, ser "gostosa" e atraente é transgressão...
Já havia falado sobre o tema em torno do caso Alessandra Negrini e a mais recente vítima do Panopticom estético-sexual foi a loira do tchan que por ter mais de 40 anos não deveria mais se "exibir dançando"! Isso deveria ser deixado para as "novinhas". Sem dúvida, no fenômeno, há evidências de ciúmes de filhos e de competição feminina, afinal, aquele ícone de beleza de seus tempos de criança, continua, indesejavelmente, na "pista" e no fantasma imagético da "mulher rival".
Lembro-me de uma vez em que vi a foto de minha avó paterna, linda, mas já matrona e austera, uma vez que já era uma respeitável mãe de família e fiquei perplexa ao saber que ali, naquela fotografia, ela estava no alto de seus... 26 anos de idade! Conheci a minha bisavó materna, sempre de coque e roupas escuras, e pelas minhas incursões no campo de pesquisa familiar, soube que assim ela se conduzira desde sempre, desde que passou a ser uma mulher casada. Pintar os cabelos? nem pensar!
Ou seja, o exercício da sexualidade feminina e de seu sex appeal são permitidos durante a sua fase reprodutiva, tem função procriatória. Uma vez cessada essa função, a mulher que cuidar de sua saúde, o que a deixará, naturalmente, revigorada, e transitar pelo mundo lépida, jovial e fagueira, é "uma ridícula". Ridícula, claro, já que o seu gozo é autotélico, destinado apenas a si mesma e não para ter filhos.
Por isso gostaria de lançar uma outra perspectiva para as mulheres que, ao já estarem com os cabelos grisalhos, umas mais, outras menos, outras "não ainda" ou seja, passaram dos 40 anos de idade, estão "assumindo" os fios brancos. Penso que isso é maravilhoso se ela estiver se sentindo livre, independente, emancipada e de bem com a sua aparência, e se a prática de pintar, mensalmente, os cabelos, desde cerca os quinze anos de idade quando eles eram escuros, para ela era uma tortura e uma subjugação... Sim, porque se pintam os cabelos, alegremente e por livre e espontânea vontade durante toda a juventude, quando não se tem cabelos brancos, por que quando aparecem os primeiros cabelos brancos, é obrigatório e "politicamente correto" deixar de pintá-los? A mim isso apenas faz sentido como escolha estética. Escolhe-se o branco da mesma forma que se escolhe o azul, o verde, o vermelho, o loiro, o preto. Afinal, quando se chegar aos 75 anos não haverá cor de cabelo que nos fará negar a idade, seremos, incontornavelmente, em aparência, uma senhora a caminho dos 80 anos, mesmo que com os cabelos escuros ou escurecidos. Muito pelo contrário: a partir dessa idade, se se pintarem os cabelos, eles, provavelmente cairão, ou seja, a escolha não será entre pintá-los ou deixá-los brancos, mas sim, entre deixá-los brancos ou ficar careca!rs Os fios pouco suportam a coloração. Antes disso, ao menos, ainda se apresenta a opção de pintá-los ou não. Chamo a atenção para esse argumento, uma vez que proliferarem mulheres maduras com aparência de mais velhas é o que o conservadorismo e o fascismo de controle de corpos e sexualidades femininas mais anseiam! Sheilas Mellos, Alessandras Negrinis e Suzanas Vieiras que o digam!
Na Inglaterra, terra de Stuart Mill onde o conceito de liberdades é, de fato, levado a sério, há um movimento que diz "Be fabulous as you wish at 80's", ou seja "Esteja fabulosa do seu jeito aos 80 anos de idade". Pois não se trata de se estar conforme a "sua idade," ou melhor dizendo, conforme o que a patrulha social impõe para a idade que consta em seus documentos (sabemos que a idade biológica de cada um pode ser distinta), mas conforme o seu estilo e o seu desejo, no melhor estilo Thomas Jefferson de busca da felicidade.
O pensamento e o corpo são espaços privilegiados de liberdade. As ideias, os desejos, as peles e os pêlos são limites intransponíveis para toda e qualquer invasão e controle, por mais "bem intencionados" que o sejam ou se proponham a sê-lo. Pois são as fronteiras que nos tornam "indivíduos" e seres singulares no mundo e, a meu ver, devem escapar de toda e qualquer agenda, mesmo política; sobretudo política, frise-se. Isso, porque já o são, desde sempre, politicamente adestrados e regimentados o bastante.
O biopoder, seja exercido de cima para baixo, seja entre os nossos próprios pares, é sempre massacrante. O imperativo de uma determinada aparência ou modo de se portar e de se mostrar no mundo, mesmo com pretensões de integrar uma pauta política emancipatória, ao integrá-la, por si só, faz com que o próprio corpo deixe de ser um espaço de liberdade do sujeito. E o coloca sob riscos autoritários.
E o que importa, mais do que ser fabulosa, é se sentir fabulosa. E gozar, a seu modo, a feérica experiência de ser, amar e atuar como uma mulher no mundo. E em sua arduamente conquistada soberania, ser a autoridade máxima sobre si mesma.




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