sábado, 3 de julho de 2021

 CULTURA CRINGE OU O IMPÉRIO DA OBSOLESCÊNCIA COMO ARMA DE DEFESA DA CULTURA DE CONSUMO?

No intervalo do trabalho para o almoço, resolvi melhor informar-me sobre do que se trata o termo "CRINGE" que vem sendo tão alardeado nas redes sociais da Internet com as pessoas nelas exasperadas para saberem se são ou não cringes. E sentindo-se aliviadas e contempladas pela fortuna ao terem a alvissareira notícia de que não o são. Cringe seria aquela pessoa de costumes e hábitos ultrapassados, velhos, obsoletos dos quais deveria envergonhar-se.
Cada geração apresenta características, modos de pensar e de estar no mundo próprias. Isso ilumina, diversifica e colore a experiência humana sobre a Terra através dos tempos. E essas distinções até recentemente não eram etiquetadas, ninguém seria "cancelado" ou admoestado por ter dançado o Twist, usado minissaia ou tangas de crochê. E o que vi ao procurar inteirar-me sobre o termo foi uma geração denominada "Z", a geração digital, a rechaçar e assediar, em uma naturalizada prática de bullying, aqueles da geração "millennials", esses jovens ultrapassados de 30 anos de idade...
Confesso que senti uma tristeza... Quer dizer que além de apresentarem uma massa expressiva (claro que há honrosas exceções) de conservadores e narcisistas, de não serem nem um pouco críticos às perversidades das sociedades capitalistas, vendendo a alma para bem nelas se acomodarem, a juventude atual é composta de ferozes soldados guardiães da cultura de consumo? Cultura alimentada pela lógica do descarte e pela "neofagia" que a caracterizam, como um dia o disse Merquior?
Adorno, ao criticar a sociedade de consumo, já a ironizava por a mesma ter uma marca inesperada, aquela do "envelhecimento do novo". Sim, é preciso que o produto de ontem seja velho, para que amanhã eu adquira um igual ou pior que o mesmo, desde que seja novo. Essa lógica das sociedades industriais é conhecida e criticada desde a Escola de Frankfurt. O que talvez ninguém imaginasse é que os jovens que um dia protagonizaram o maio de 68, hoje, não apenas estivessem conformados no consumo desenfreado de inutilidades, como também, tivessem se transformado em verdadeiros soldados em um exército de execução sumária daqueles que não integrassem essa mesma dinâmica. Daqueles que não fossem os eternamente novos. E essa execução se dá ao etiquetarem os desconformes de "cringes", um epíteto depreciativo. Os etiquetados ao não reagirem, mas se esforçarem por não serem "cringes" perpetuam a lógica de serviçais do capital. Ou de uma cultura hegemônica a cada dia. Mesmo naquilo que não diz respeito ao consumo, mas que, não se enganem, sempre resvala no consumo, o império de um modo de ser a ser imposto sob a pena de ser taxado de "ultrapassado" não passa de autoritarismo e fascismo. A luta por não ser cringe é aquela do oprimido colonizado. Sendo que o colonizador não é o jovem da geração Z, esse é o oprimido colonizado mor, soldado fidelíssimo ao seu opressor. O colonizador é o neoliberalismo, mesmo...
O fenômeno sequer se trata de um Saturno às avessas, uma vez que não diz respeito ao canibalismo. O canibal introjeta em si aquilo que engole. Trata-se de uma cultura do descarte, do apagamento perpetrada por autômatos que desconhecem a autonomia e o pensamento crítico. Então me pergunto, como a geração Y, anterior aos millennials, criaram os seus filhos? Com que valores? Quais as condições de possibilidade que possibilitaram práticas de tamanha desumanização?
A cultura "cringe", ou a cultura do império da obsolescência, é a cultura do assassinato do passado.
Espero que o sangue desse assassinato não confira manchas indeléveis às fardas desses soldados canceladores em seus futuros. O passado, mesmo o mais recente, sempre cobra o seu resgate.




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