terça-feira, 22 de setembro de 2015

                                                         O Sínodo do Cadáver
                                                                Andrea Campos
                                                                              



Refletindo sobre a possível frustração da Ação Penal no caso do assassinato do poeta Federico García Lorca, em face da provável já morte de todos os seus algozes, lembrei-me de um fato bizarro, mas não menos risível, passado mais de um milênio, que versa sobre o julgamento seguido de condenação de uma pessoa morta: o Sínodo do Cadáver.

O caso medonho se deu durante a Idade Média, no séc. IX e foi praticado por uma Papa:  Estêvão I.

Estêvão I acusou o seu antecessor, o Papa Formoso, então já morto há nove meses, de ter cometido os crimes de perjúrio, de ter exercido o ofício de bispo quando ainda era leigo e de ter tentado apoderar-se do trono do papa João VIII quando este ainda era vivo.

De modo que o julgamento fosse levado a cabo, o corpo do Papa Formoso foi exumado, paramentado com os ornamentos e as insígnias papais  e entronizado na Basílica de São João de Latrão. O Papa Estêvão I, de pé em frente ao trono e com o dedo em riste, teceu o seu libelo acusatório diante de um Papa imóvel que não pronunciou uma só palavra e nem se queixou de nada. O Papa Formoso foi julgado culpado. Impossibilitado de cumprir com a pena máxima, a pena de morte, o Papa Estêvão cortou-lhe três dedos da mão direita, usados para dar as bênçãos, declarou todos os seus atos e ordenações inválidos e enterrou-o no cemitério dos estrangeiros. Ainda não satisfeito, desenterrou-o e sacudiu o seu corpo às águas do rio Tibre. 

O fato gerou comoção entre os romanos que começaram a dizer estar havendo milagres nos locais por onde o corpo do Papa percorria sob e sobre as águas. O Papa Estêvão acabou sendo preso e morreu estrangulado na prisão. O seu sucessor, o Papa Teodoro II anulou o sínodo do cadáver e uma vez encontrado o corpo do Papa, mandou que este fosse enterrado com todas as honras na Basílica de São Pedro. Teodoro II baixou uma lei canônica proibindo o julgamento de pessoas mortas. 

Quanto ao fundamento jurídico da anulação do julgamento post-mortem do Papa Formoso este não residiu no fato de ele já estar morto, mas por não ter tido direito à defesa...rs


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