"Só o que tenho a confessar é a minha dor"
Da Confissão como a Rainha das Provas
Andrea Campos
Andrea Campos
No Sistema Processual Penal Inquisitorial, cujos gérmens estão em Roma, mas foi plenamente implementado durante a Idade Média em contraposição ao sistema
antecessor, o antigo sistema acusatório, a confissão se consolidou na categoria de “rainha das provas”.
Sendo
vigente o direito canônico, entendia a Igreja ser a confissão obra do “espírito
santo” que por sua interseção na alma do réu, faria brotar de sua boca a
veríssima verdade. E o melhor caminho em direção à vera verdade, à palavra em
som transbordada, seria, naturalmente, o caminho da dor. A dor dos iníquos, a
dor dos ímpios. A dor infligida pelas raias da tortura. A dor coagulada na
memória do sangue. A dor em carne desfibrilada. A dor, nódoa do tempo tatuando
o silêncio. A dor calda fervente na pele dos endiabrados. A dor consumida em
imagens esfaceladas no espelho. A dor degenerada, esquartejando o momento
infindo. A dor retesada ao limite da existência pouca. A dor, corda rota da
cítera silenciada. Digo o que queiras para me salvar da dor! O que queres que
eu diga?
E já que o caminho rumo
à verdade seria o da dor a fecundar, pelo espírito santo, a alma do réu,
dando-se à luz, a verdade, liberto estaria o algoz torturador da culpa pela
prática do máximo mal, já que o seu
máximo mal era a via própria para o máximo bem. E já que podemos narrar o
medonho através do belo, escolho um
trecho da obra-prima do escritor italiano Umberto Eco (1983, p.433), “O Nome da
Rosa”, para ilustrar o que, até agora, dissemos:
“Agora
só eu sei o que deverá ser feito”, disse Bernardo com um sorriso tremendo. “Tu
não deves senão confessar. E estarás danado e condenado se confessares, e
estarás danado e condenado se não confessares, porque serás punido como
perjuro! Então confessa, ao menos para abreviar este dolorosíssimo
interrogatório, que perturba nossas consciências e o nosso senso de brandura e
de compaixão!”
“Mas o que devo confessar?”
O que seria confessado,
bem mais do que a verdade, atenderia ao desejo dos torturadores: Toma a verdade
que queres e que pela minha dor me pedes.
Apesar de expurgada de
todo e qualquer sistema legal democrático, sabemos que ainda há, sim, a prática
da tortura, mas, por óbvio, não legitimada, assim como a confissão há muito
deixou de ser a rainha das provas para ser entendida pelo legislador pátrio
brasileiro no atual Código de Processo Penal, como, tão somente, uma prova não
conclusiva em meio a outras provas cujo valor maior, atualmente, é conferido à
prova pericial.
Vejamos como o nosso
ordenamento positiva a prova de confissão no Código de Processo Penal vigente,
IN VERBIS:
CAPÍTULO IV
DA CONFISSÃO
Art.
197. O valor da confissão se aferirá
pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua
apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
Art. 198. O silêncio do acusado não importará
confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do
juiz.
Art. 199. A confissão, quando feita fora do
interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art.
195.
Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem
prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em
conjunto.
No que tange à tortura,
não um método divino de persecução da verdade, mas sim, um crime, o mesmo é
tratado na Magna Carta e regido por Lei Especial, IN VERBIS:
Constituição da República
Federativa Do Brasil
(...)
Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XLIII
- a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
...
XLIX
- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Quanto à regência de
Lei Especial sobre o crime de tortura, esta é a de no. 9455 de 1997. Aqui o
artigo que traz o conceito do tipo penal, IN VERBIS:
Art.
1º Constitui crime de tortura:
I
- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
a)
com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa;
b)
para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c)
em razão de discriminação racial ou religiosa;
II
- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena
- reclusão, de dois a oito anos.
O Brasil também é
signatário de várias Convenções Internacionais que vedam a prática de tortura,
mormente no que tange à extração de confissão criminosa.
No mais, somos todos,
todos pecadores e confessamos, diariamente, “por minha culpa, por minha máxima
culpa”. Que culpa queres que eu tenha?
Quanto tempo a humanidade esteve sujeita ao máximo controle dos mais fortes, ou daqueles que detiveram o juízo, com base na força bruta, na religião dominante, ou no curso das estrelas. A Inquisição foi mais um instrumento de controle social, usando o terror. Pobre humanidade.
ResponderExcluirCaro Danilo, grata por suas sensíveis e oportunas palavras.
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