sexta-feira, 25 de setembro de 2015

                                                          Habemus Mater!
De como o Vaticano teria passado a coibir o crime de Falsa Identidade de Gênero – O suposto caso da Papisa Joana.
                                                                                                                        Andrea Campos

As vozes não são unívocas quanto ao que se passava ao tempo dos chimpanzés, mas sabe-se que desde que somos homo bípede e sapiens, o palco da aventura humana sobre a terra tem sido no mais, quando não, na maioria absoluta das vezes, interditado à entrada das mulheres, mesmos quando estas pagam-lhe o ingresso. Se La Fontaine dizia que “la raison du plus fort est toujours la meilleure” (a razão do mais forte é sempre a melhor), à mulher em sua fraqueza e vulnerabilidade físicas e mentais coube, tradicionalmente, o lugar não dos que não estão com a razão, mas o dos sem-razão.

No entanto, também, historicamente, quer na realidade, quer na ficção, pululam exemplos de mulheres que para estarem aptas a adentrarem na ágora, nos espaços restritos ao gozo dos homens, tais como a política, as guerras, a escrita, as artes, a ciência e a Igreja, travestiram-se de homens e foram insuspeitadas em suas funções pelos mais argutos e mais fortes dos homens. Na literatura brasileira, há o belo exemplo emblemático de Diadorim, personagem do romance "Grande Sertão: Veredas" de João Guimarães Rosa que, filha do líder dos Jagunços Joca Ramiro, traveste-se de homem para poder, também, segui-lo como jagunço e, posteriormente, vingar a sua morte. Na literatura, lembraríamos da escritora francesa George Sand, pseudônimo de Aurore Dupin, que, a fim de estabelecer-se e ser respeitada como escritora, adotou um nome artístico masculino. Sand foi um grande amor do músico Chopin.  Muitas anônimas, até hoje não descobertas, devem existir, mas o espaço no qual uma mulher teria furado e posto abaixo o maior bloqueio, a mais pesada parede de aço, teria sido o da Igreja Católica Romana onde, como sabemos, apesar da mulher poder exercer o sacerdócio, lhe é impedida a  celebração de missas.
Deixemos aqui, bem claro, que Igreja, não se confunde com fé cristã, muito menos com Cristo. Esta distinção é muito bem inferida na excelente obra da escritora francesa Elizabeth Badinter “O Mito do Amor Materno”, na qual a autora afirma que Cristo teria dado um novo estatuto à mulher, irmanando-a aos homens e pondo-se ao seu lado em momentos nos quais estaria sofrendo ou prestes a sofrer violência “aquele que não tiver pecado que atire  a primeira pedra”, teria dito enquanto defendia uma mulher adúltera, assim como se fez acompanhar em seu caminho por uma prostituta, Madalena, e uma vez redivivo, a primeira pessoa a quem se mostrou foi a mesma Madalena, logo, a uma mulher.

No entanto, a Igreja, tradicionalmente, relegou a mulher ao lugar de pecadora máxime, a culpada pelo pecado original, a traidora, a ardilosa, e mesmo sendo Maria, filha de Deus, e mãe de Deus, a esta nunca coube o status de deusa. Até meados da Idade Média, a mulher, para a Igreja, sequer tinha alma. Bem, mas como para as versões, existem as subversões, quem não deu tanta importância a esses óbices e subverteu toda a estrutura e as convenções estabelecidas, seguindo em frente em seus intentos foi uma mulher de nome Joana. Joana teria chegado, não apenas, a celebrar missas, mas a ocupar o trono máximo da Igreja, o trono de Pedro, o trono do Papa na função de um Papa. E sem que ninguém suspeitasse que ela fosse uma mulher. Vamos, doravante, à sua história.
Corria o século IX, ainda alta Idade Média. As mulheres estavam, como soi poderia ser, ocupando os seus lugares tradicionais, quais sejam, os de esposa e mãe de seus filhos, sendo-lhes vedados os estudos, as artes e as funções públicas. No entanto, havia uma mulher que passara grande parte de sua vida vestida de homem cujo nome era Joana. Mas, as vestimentas masculinas não lhe sequestraram a sensualidade e Joana era amante de um monge que era médico. Joana, também, dedicou-se à medicina, tornou-se médica e passou a ser responsável pela saúde do então Papa. Tudo isso trajada em homem, Joana caiu nas graças do Papa e teria sido feita por ele, sua sucessora. Salientando que, em nenhum momento, Joana abrira mão dos carinhos de seu monge amante. Friso isso, pois é curioso atentar que quando as mulheres são homossexuais parece haver uma maior complacência para que as mesmas ocupem e exerçam funções de poder, afinal, são "mulheres-machos". Joana, para o direito atual, portanto, teria cometido o crime de “Falsa Identidade”, distinto daquele, embora muito confundido com ele, o de “Falsidade Ideológica”, senão vejamos o que dispõe o nosso atual Código Penal quanto ao crime de falsa Identidade, In Verbis:

Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

Executando formidavelmente as suas funções de Papa, e de amante de seu caríssimo monge, Joana, durante uma procissão pelas ruas de Roma, teria sofrido as dores do parto e dado à luz um filho. As versões sobre o que teria se seguido ao inusitadíssimo fato, um Papa dando à luz nas ruas, são controversas. Uns dizem ter Joana livrado-se do rebento, jogando-o nos estertores da rua, logo, praticando, o que seria o nosso atual crime de abandono de recém-nascido, In Verbis:

Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – detenção, de um a três anos.
§ 2º – Se resulta a morte:
Pena – detenção, de dois a seis anos.

O artigo supra constante de nosso Código Penal Brasileiro constitui uma forma privilegiada do delito de abandono de incapaz (art. 133), em face do especial motivo que impele o agente a praticar o crime: ocultar a desonra própria.

A outra versão para o fato, nos informa que, uma vez descoberta a falsidade de Joana, esta teria sido apedrejada em praça pública. O que não é incontroverso, mesmo que, por certo, negado, é que, segundo o historiador Peter Stanford, após o episódio joanino, antes de serem coroados, os futuros Papas teriam que se sentar em uma cadeira com as pernas afastadas, enquanto que um diácono lhe faria o exame das partes, verificando se o mesmo possuía, ou não,  testículos. Uma vez verificada a presença de tão imprescindível e necessário acessório, o diácono declararia: “Testiculus Habet!”. Eis aqui a cadeira que teria passado a ser utilizada para o indispensável exame:

A existência da Papisa Joana e de seu papado era plenamente reconhecida pela Igreja Católica durante a Idade média e o Renascimento, tendo passados a serem negados a partir do século XVII, devido ao crescente empoderamento do protestantismo. Para fazer face a uma nova corrente doutrinária, o Vaticano teria procurado apagar e destruir todos e quaisquer registros concernentes à mulher Papa e ao seu pontificado. Rastros de sua existência estariam na criação da carta da “Papisa” no tarot, assim como no hoje abandonado santuário em sua homenagem feito nos arredores do coliseu, na ruela onde ela teria dado à luz.

A Igreja tem se proposto a modernizar-se, alterando-se por conseguinte, disposições de seu Direito Canônico. Essa modernização, mais do que uma generosidade, é a única via, mesmo que a contragosto de muitos, para que esta continue a exercer o seu preponderante poder "Urbi et Orbi". No mais, diremos que os avanços serão, de fato, notáveis, quando, ao final de um Conclave, tendo sido cuspida a fumaça da Capela Sistina, possamos ouvir em lauto e belíssimo latim, abrindo as janelas do Vaticano para um novo tempo: "Habemus Mater!".

Um comentário:

  1. Impressionante esse caso. Ouvi (ou li) algo no passado, sem dar a devida importância. Irei olhar com mais carinho a história do catolicismo.

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