terça-feira, 28 de junho de 2016


                                          Algumas Considerações acerca do BREXIT

                                                                             Andrea Almeida Campos





                                                                                                                   



BREXIT. Se não é fácil manter-se a unidade de uma Federação ou de um Estado Unitário com todas as especificidades de seus membros, inferimos que a manutenção de uma espécie de Confederação Continental, como é o caso da União Européia passa por instâncias muito mais complexas tanto em sua edificação, quanto em sua manutenção. Nós, os doces, tolerantes e atuais democráticos povos latinos sul-americanos, nunca conseguimos que o nosso Bloco Mercosul, sequer se consolidasse como um Mercado Comum. Sermos uma União de livre trânsito de pessoas, cidadãos e mãos-de-obra, como chegou a ser os europeus, soa a nós, tão concordes entre nós, como uma utopia. Reduzir o debate sobre a saída do Reino Unido a maniqueísmos dos maus contra os bons, da direita contra a esquerda, dos intolerantes contra os tolerantes e congêneres é adentrar em uma espiral de vitimização que só dificulta a construção de soluções e aprofunda a cizânia. É hora do próprio Bloco rever suas fragilidades, suas instituições, suas burocracias. É hora de todos que atualmente se vestem de vítimas, fazerem uma profunda análise de suas atuações e enxergarem no que foram protagonistas de seus próprios fracassos. Sim, porque hoje, todos aqueles que veem os seus projetos de poder se esvaírem, tiveram o poder em suas mãos, como no caso da União Européia, como no caso das forças progressistas no mundo. É bom que, urgentemente, seja feita uma autocrítica, sejam sanados os vícios e se reconstrua um projeto sólido, consistente e adequado aos fundamentos da soberania, da cidadania e da democracia. Antes que se vão os anéis e não fiquem nem os próprios dedos.













Tudo que desinstrui é enervante, ainda mais para quem é professor. O que tem deixado os meus ouvidos e olhos doendo é a tradução que tem sido feita para o termo "EU Referendum". A tradução mais simples e porque não dizer, preguiçosa, é aquela que traduz a frase para "O Referendo da União Européia". Ai, meus ouvidos! Socorram meus olhos! O Direito Brasileiro pede misericórdia!rs Fico ainda com mais raiva por saber que isso pode trazer confusão aos alunos de direito. Pois vamos lá. A tradução correta para o português e o direito brasileiro é "O Plebiscito da União Européia". Por que "Plebiscito" e não "Referendo"? Porque o Direito brasileiro faz distinção entre os dois institutos que são previstos no art. 14 da Constituição Federal como formas de participação direta do cidadão na Democracia e que foram devidamente regulamentadas por Lei posterior . Senão vejamos, no plebiscito, o cidadão vota sobre uma determinada matéria antes de uma lei ser elaborada e aprovada acerca da mesma no Congresso Nacional. Foi o que ocorreu no Brasil em 1993, quando votamos contra ou a favor da instituição do parlamentarismo ou da continuação do presidencialismo, lembram-se? Quando há uma consulta popular sobre lei cuja matéria já foi aprovada pelo Congresso Nacional, a modalidade adequada da consulta popular é o referendo. Ou seja, o povo "referendará" ou não uma Lei que já foi aprovada, mas que precisa do referendo popular para entrar em vigor. Foi o que fizemos em 2005 em relação à Lei do Desarmamento, lembram-se? Portanto o "Referendo" Inglês no que tange ao "EU Referendum" não corresponde juridicamente, ao "Referendo" no Direito Brasileiro, já que se trata de matéria não legislada e ainda não aprovada pelo Parlamento Inglês. O Referendum Inglês, no caso em tela, portanto, corresponde ao nosso "Plebiscito". Bem, fiz a minha parte, mas sei que a mídia preguiçosa e descompromissada continuará a traduzir o "referendum" Inglês por referendo em português e por conseguinte, por referendo no direito brasileiro. Portanto, os meus ouvidos e os meus olhos continuarão doendo. What else can I do?rs


Outra questão jurídica que por São João, eu me sinto no dever de elucidar rs. Tem-se responsabilizado muito os políticos e dirigentes por esse resultado, assim como todo o modelo eleitoral. Claro que os políticos influenciam, para o bem e para o mal. Mas, não nos esqueçamos que o plebiscito e o referendo não são formas "representativas" do cidadão participar na democracia, mas sim, formas "diretas" de participação, ou seja, sem representação. É a forma democrática por excelência, aquela que dispensa os políticos, aquela dos gregos que tomavam suas decisões políticas não através de seus representantes (deputados, senadores, etc), mas através de seus próprios cidadãos que iam à "Ágora" e votavam diretamente acerca dos seus destinos e o destino da pólis. Portanto, podemos não estar satisfeitos quanto ao resultado, mas quando se trata de criticar os institutos democráticos por excelência, aqueles nos quais o povo participa diretamente, e cujo peso do voto é igual para todos, é melhor, take care, take care...rs Ou, estamos querendo a volta de alguma espécie de voto censitário ou algo diverso da Democracia?




Ainda sobre o BREXIT que tem tanto a nos ensinar. Quem foi a maioria esmagadora dentre aqueles que votaram pelo Brexit? Foram o operariado, as pessoas das classes mais desfavorecidas, das regiões mais pobres do Reino Unido que se insurgiram gritando que a globalização trazida pela União Européia é boa para os grandes, para o grande capital, para as grandes empresas e devastadora para os pobres, para os pequenos. Esses que foram já ditos por Friedrich Engels como sendo o verdadeiro operariado do mundo somaram 68% dos votos a favor do Brexit. Algo similar ao resultado das últimas eleições presidenciais no Brasil, cuja presidente eleita teve a grande maioria dos seus votos vindos das regiões mais empobrecidas do Norte-Nordeste brasileiro. Quero dizer com isso que o Brexit é o melhor pra sociedade internacional? Não. E esse não é um debate fácil, quando se propõe a ser honesto. Aqueles que claramente se colocam a favor do liberalismo econômico como a revista "The Economist" claro que estão frustrados com o resultado e com razão. Mas, estou querendo chamar a atenção para aqueles que se dizem contra o grande capital e condenam o Brexit. Oportunisticamente, vêm com a postura que acreditam ser a de quem protege os fracos e oprimidos, quando foram, em sua maioria, os mais fracos e oprimidos do Reino Unido que pediram pelo Brexit...







Globalization Exit. Acho, no mínimo, engraçado no caso Brexit, ouvir vozes que historicamente se colocaram em oposição ao liberalismo econômico, ao capitalismo e à globalização, lamentarem profundamente a saída da Grã-Bretanha da União Européia. Ora, ora, não era isso o que queriam? Cada um na sua?rs Senão vejamos. A União Européia nada mais é do que um Bloco Econômico, fruto do processo de globalização e de expansão do capital, atingindo um alto patamar no modelo econômico liberal com o livre trânsito de mercadorias, de ativos, de consumidores e de força de trabalho. Paradoxalmente (e isso é um prato cheio para os estudiosos!rs), a Nação que criou o liberalismo econômico e semeou a globalização desde priscas eras, é aquela que primeiro coloca um freio nesse mesmo liberalismo e nessa globalização! Sim, porque retirar-se de um Bloco Econômico como a União Européia é dizer um basta, um chega pra lá ao liberalismo, ao capitalismo e à globalização. Por óbvio que a Grã-Bretanha não deixará de ser capitalista (mas sabemos que a sua saída agradou bastante a Putin rs), mas provocou um freio derrapante no capital globalizado, na globalização, daí a irritação de países com a China e o terremoto que provocou nas Bolsas de Valores de todo o mundo. A Grã-Bretanha, berço do liberalismo e da expansão do capital, refreia a sua própria globalização e faz um movimento rumo ao nacionalismo e ao populismo. Como tradicionais navegadores que são, esperamos que sejam bem sucedidos como comandantes desse navio solo. Que não naufraguem... Tomorrow always knows... Quanto aos que se opõem à expansão do capital, comemorem!






E leio em um periódico brasileiro de grande circulação: "(...)perguntou se os cidadãos do Reino Unido queriam continuar fazendo parte da União Européia, na qual estão desde 1973, ou se preferiam sair dela." Deu até vontade de rir rs. Criatura do céu, a União Européia passou a existir apenas a partir de fevereiro de 1992, com o Tratado de Maastricht que foi assinado em dezembro de 1991, como é que os britânicos poderiam integrá-la desde 1973?rs O que os britânicos passaram a integrar a partir de 1973, foi a Comunidade Econômica Européia, que, inclusive, já estava em vias de formação 20 anos antes com a Comunidade do Carvão e do Aço e que não tinha a participação britânica. Por sinal, a saída do Reino Unido da União Européia não significa a saída do Reino Unido do Mercado Comum Europeu. Seguramente, eles lá continuarão, sem estarem sob a égide da burocracia de Bruxelas... É quanto à essa estratégia, de continuar no mercado comum e "livrar-se" da pesada burocracia da União Européia que Bruxelas envidará esforços para que os britânicos não sejam "fujões" bem sucedidos...rs







A reboque do BREXIT: A Migração e os crescentes Processos de Hostilidade no Mundo. "Para o outro, eu serei sempre o outro".









Paradoxalmente, os problemas alegados em decorrência da imigração na Inglaterra e que teria sido um fator-chave para o Brexit, não apresentam um peso de fato na economia do Reino Unido. Pelo contrário, os britânicos sempre foram rigorosos no tratamento dado à imigração, por vezes de forma exacerbada e até, provavelmente, criminosa, vide o que ocorreu ao nosso Jean Charles. O Reino Unido sempre recebeu quem e no número de pessoas que lhes convinha e do qual precisa. Por fim, a imigração no Reino Unido incrementa o seu PIB e não o contrário. Então, por que essa ser uma bandeira tão forte, a bandeira contra a imigração? Isso é próprio do reacionarismo e da ignorância? Antes de responder as razões dos outros, tento mergulhar em minha própria experiência. Sou de um estado do Nordeste do Brasil, Pernambuco. Cresci em uma praia turística, a praia de Boa Viagem, onde desde menina ouvi as seguintes frases, não só dos adultos, mas de meus jovens amigos: "não vamos ficar naquela parte da praia, porque ali só tem turista"; "não vamos àquele restaurante, porque ali só tem "gringo", "há uma excursão ótima para o exterior e o melhor: só ficaremos com gente daqui". Tivemos num momento crucial de abertura do Brasil para o mundo, em fins da década de 80 e inícios da década de 90, um governador socialista, Miguel Arraes que demonizava o turismo e qualquer fluxo de pessoas que viesse de fora de nosso estado. Em razão do atraso nessas políticas de integração através da indústria do turismo, o nosso estado, apesar de ter, principalmente, inigualáveis belezas naturais, continua bastante atrasado nessa inserção. Muito poucos, inclusive dentre os que integram o setor de serviços, falam uma segunda língua. A chegada de orientais ao centro de nossa cidade do Recife, principalmente coreanos, é tratada com desdém. Isso porque são comerciantes, imagino se eles eles viessem disputar conosco, diretamente, nossos empregos, vagas nas escolas e nas universidades e no nosso sistema público de saúde. Interregionalmente, o Brasil é marcado por fortes preconceitos e discriminações. Os que migram dos estados do Nordeste para o Centro-Sul sofrem não apenas violências de cunho moral, que são as mais fortes, como, eventualmente, violências físicas. A migração do Norte-Nordeste para o Centro-Sul é vista como a grande responsável pela miséria, favelização e criminalidade em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Os nordestinos, a não ser aqueles que aparentem ou sejam, comprovadamente, das classes superiores, são tratados de forma hostil e jocosa. Morei sete anos em São Paulo e à época, a então prefeita, Marta Suplicy, tinha por bandeira política barrar o processo migratório do Nordeste para o Sudeste, pois esse era o grande "culpado" por todos os males da cidade. Que exemplo, então somos nós, povo brasileiro, para nos estarrecer tanto diante de comportamentos que também são os nossos, sem falar que nunca experimentamos internamente uma diversidade e um cosmopolitismo tão vasto como os britânicos, principalmente os "londoners"? Claro, também, em razão de nunca termos sido um Império e chamados a arcarmos com as consequências disso. O fato é que, mais do que um problema político-econômico, temos aqui um problema de psicologia social. A resistência e o medo a tudo o que é diferente de nós é uma marca do humano desde os mais tenros anos. Basta lembramo-nos de nossas turminhas de escola, de como, desde então, éramos segregacionistas e nos juntávamos tão somente àqueles que tinham a ver e eram parecidos conosco. Dado isso, o que fazer então, diante dessa onda que chamamos de reacionária, e que nada mais é do que a expressão de uma boa parte daqueles que integram a condição humana, basta que sejam colocados em uma situação onde impere a "diversidade" (pois é muito fácil criticá-los quando vivemos as nossas vidas apenas entre os "nossos")? Arriscaria que, primeiro, resolver os problemas que geram a migração. No caso do meu Estado e da minha Região, políticas de educação, de saúde e de combate à corrupção (o Nordeste recebeu um sem-fim de subsídios em projetos de combate à seca que foram desviados pela corrupção, vide a falência de órgãos como a SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). E quanto à atual migração na Europa? Enquanto não houver paz no Oriente Médio, enquanto não houver um cessar fogo, enquanto não se enfrentar as forças da Indústria Bélica que se alimentam desses conflitos e que, geralmente, estão sediadas nos países que recebem esses migrantes, o problema tende a se expandir. Ou será que pensamos que o problema da migração é apenas de quem recebe os migrantes? A necessidade de migrar, de deixar as suas raízes, seus afetos, suas memórias, sua cultura, suas tradições, é, no mais das vezes, um ato de desespero pela sobrevivência, muito antes de ser um desejo de "tomar o que é dos outros". O migrante é um exilado, um banido, e o exílio e o banimento, historicamente sempre foram penas para crimes graves. Ou seja, a escolha pelo exílio, não deixa de ser uma escolha por se autoinflingir uma pena, mesmo que uma pena menor para o que já se está sofrendo em seu lugar de origem. Às vezes fico admirando fotos das belas cidades sírias com seus templos e minaretes e fico imaginando a incomensurável dor daqueles que tiveram as suas cidades destruídas e foram forçados a deixá-las. Portanto a questão é acentuadamente complexa e não podemos reduzi-la a etiquetamentos quer seja de reacionarismo ou xenofobia, sabendo que esses sintomas, claro, devem ser veementemente combatidos, e que fique claro, os sintomas, não as pessoas que os tenham, pois não podemos entrar na mesma lógica binária dessa espiral perversa que nos divide permanentemente entre “o nós e os outros”. Temos que tratar do problema em suas causas, em suas origens, combatendo-as. Quanto a aceitar a diferença, teremos todos igualmente crescido em nossa humanidade e em nossa possibilidade de construirmos uma comunidade humana, verdadeiramente global, ao dizermos sim, ao nos abrirmos ao diálogo e ao cuidado inclusive daqueles que insistem em nos dizem "não".







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